Houve sempre um espectro a pairar sobre a integração europeia: a perda de soberania nacional. Contudo, essa ameaça revelou-se infundada.
Como bem demonstrou o historiador Alan Milward em "The European rescue of the nation state", a integração foi responsável por um reforço da legitimidade dos Estados-nação e não por uma diminuição das suas capacidades políticas. Primeiro, a integração foi a resposta à barbárie da guerra, que tinha feito colapsar as soberanias nacionais; depois, com as formas de proteccionismo selectivo do mercado único foram gerados recursos para o desenvolvimento dos Estados-Providência nacionais; finalmente, com a coordenação crescente das políticas, muitos Estados-membros, à cabeça os da "coesão", encontraram na integração um racional, mas, também, uma "desculpa" para levar a cabo reformas que de outro modo não seriam capazes. Ao longo da história, o processo de integração, em lugar de diminuir a soberania nacional, foi a base política e económica para a sobrevivência dos Estados-nação.
Foi, mas pode deixar de ser. É essa a lição dos últimos meses e que se agudizou na semana passada, com a saída encontrada para fazer face ao ataque especulativo às dívidas soberanas da zona euro. Uma saída que representa um golpe profundo na soberania nacional, sem que lhe esteja associada uma (re)legitimação do processo de integração. O que a Europa nos propõe é uma gestão financeira da crise, sem qualquer tipo de estratégia económica e que se limitará a reproduzir os desequilíbrios do passado: crescimentos anémicos; desemprego alto e pressão fiscal crescente.
A actual miséria política europeia é filha da incapacidade para responder a dois tipos de argumentos de raiz contrária, mas que se coligam na inviabilidade da integração monetária. Por um lado, o que nos diz que o euro estava condenado por não assentar numa união política, considerada um projecto utópico - porque os Estados- nação nunca abdicarão do seu poder soberano; por outro, o dos fundamentalistas da moeda única que julgaram que uma moeda sem Estado e sem os instrumentos monetários tradicionais era, em si, uma invenção genial e que, agora, basta reforçar as políticas seguidas até aqui.
Enquanto os dois campos se digladiam, não sobrou ninguém para defender uma política económica coordenada, que de facto protegesse de modo sustentável o euro e que obrigava necessariamente a um reforço da integração e não a um regresso em força do intergovernamentalismo pela porta do cavalo.
A opção tomada terá consequências sociais difíceis de antecipar, mas, seguramente, ainda mais difíceis de gerir. O que estará em causa é uma ameaça à viabilidade dos Estados-nação, que é onde ainda radicam os mecanismos de legitimidade política. Com uma diferença: ao contrário do que aconteceu com outras crises, esta ameaça é filha da própria integração.
publicado hoje no
no Diário Económico.