quarta-feira, julho 23, 2008

usar as margens

Os números do desemprego são o resultado combinado do arrefecimento económico, do crescimento da população activa e da transformação do padrão de especialização da economia.
Ainda que o desemprego seja um indicador muito impressivo, não é suficiente para percebermos as dinâmicas do mercado de trabalho. Portugal tem tido uma taxa de desemprego elevada, 7,5%, e o fluxo de desempregados voltou a ter uma variação positiva. Contudo, há outras transformações no mercado de trabalho que dão alguma esperança. Nos últimos três anos, assistimos a um aumento muito significativo da população activa (110 mil), combinado com uma criação líquida de postos de trabalho de cerca de 90 mil – longe dos 150 mil postos de trabalho anunciados, mas que revela que o mercado de trabalho tem conseguido absorver muitas das pessoas que nele pretendem entrar, mesmo com crescimentos económicos abaixo do projectado.
No entanto, as perspectivas para o futuro imediato não são muito animadoras. É sabido que há uma relação muito próxima entre variação do produto e emprego. Ora as projecções para Portugal apontam para crescimento fraco, ainda que acompanhado de aumento do emprego e diminuição do desemprego. O desafio dos próximos tempos tem, por isso, de passar por utilizar as margens existentes para contrariar esta correlação. O que implica insistir na aposta nas áreas que incorporam maior valor acrescentado e onde tem havido criação de emprego, certamente mais sustentável.

publicado no Diário Económico.

terça-feira, julho 22, 2008

Um jogo de culpas

Depois do bloqueio dos camionistas, das manifestações da CGTP, da subida do petróleo e das taxas de juro e da eleição de uma nova liderança no PSD, não deixa de ser surpreendente que o PS continue, de acordo com a sondagem do CESOP da Universidade Católica, a liderar as intenções de voto. Tendo em conta a percepção de que o “estado de graça” do actual executivo terá terminado, como explicar esta situação?

Recorrendo aos resultados da Católica é possível encontrar algumas explicações. Desde logo, 54% dos inquiridos consideram que nenhum partido faria melhor do que o actual governo. Aliás, 40% dos inquiridos pensam que o PS voltará a ganhar as eleições, um valor que aumentou face ao barómetro anterior (37%), ao mesmo tempo que os resultados do PSD diminuíram (de 33% para 31%). Mesmo enfrentando um significativo descontentamento popular, o PS continua a ser o escolhido para governar e o PSD (ainda) não é visto como alternativa.

Na política, a gramática conta muito. Quem domina os seus termos, tende a dominar a agenda e a liderar politicamente. E a verdade é que este ciclo político tem sido dominado por uma gramática construída pelo PS de José Sócrates, na qual o PSD tem estado à defesa – situação que se agravou com o regresso de Ferreira Leite. Enquanto assim for, dificilmente haverá uma alternativa ganhadora.

A maioria absoluta do PS construiu-se em torno de três eixos, todos funcionaram por contraponto aos governos do PSD: a governabilidade contra a instabilidade com Santana Lopes; a consolidação orçamental contra o défice excessivo de Ferreira Leite; e o “choque tecnológico” contra a ausência de vida para além do défice com Durão Barroso. Mesmo que as coisas não tenham sido exactamente assim, elas foram percepcionadas deste modo. José Sócrates não apenas se diferenciou, como teve condições para culpabilizar o PSD pela situação que herdou.

O contexto que hoje vivemos é ainda fruto desta gramática e os bons resultados relativos do PS são ainda explicáveis pela capacidade do Governo em responder com sucesso a estes três eixos: vivemos um período de estabilidade política, com consolidação das contas públicas e com reformas em várias áreas das políticas públicas, não necessariamente ligadas à disciplina orçamental.

Acontece que o contexto político está a mudar e uma nova solução vitoriosa passa pela capacidade de fazer perdurar a gramática anterior e introduzir elementos de uma nova. As próximas eleições já não se disputarão, no essencial, em torno da estabilidade política e da consolidação orçamental. Os temas dominantes tenderão a remeter para a capacidade de responder aos efeitos assimétricos da conjuntura internacional, isto é, as respostas às desigualdades acumuladas nas suas várias vertentes. A este nível, quer PSD, quer PS têm dificuldades.

O PSD porque com a eleição de Ferreira Leite reforçou a memória do passado (isto é, regressou à gramática anterior, colocando-se numa posição defensiva) e ajudou ao reposicionamento ideológico do Governo – são reveladores os exemplos das últimas semanas em que Ferreira Leite tornou possível ao executivo fazer provas de identidade de esquerda.

O PS porque os temas sociais, que serão dominantes, não foram centrais para a construção da identidade do actual executivo. Sinal disso é que o PS deixou de ser visto como “campeão” do combate à pobreza para passar a ser um partido que revela dificuldades ao lidarhttp://www.blogger.com/img/gl.link.gif com os dados sobre a pobreza (mesmo quando foram desenvolvidas medidas com assinalável eficácia para combater a pobreza e os dados revelam uma evolução positiva do fenómeno).

Manuela Ferreira Leite aparentava ter interpretado bem os sinais do novo ciclo, quando, ainda durante a campanha interna, trouxe as questões sociais para o topo da agenda. Contudo, desde a sua eleição, não só abandonou estes temas, como tem preferido gerir longos silêncios, combinados com declarações falhadas. Já o Governo recentrou o seu discurso, com o primeiro-ministro a puxar sistematicamente pelo que já fez nas áreas sociais e a apresentar novas medidas que procuram responder aos impactos assimétricos da crise. Resta saber se, para liderar de modo decisivo a nova gramática, basta apresentar os paliativos que a folga orçamental permite. É que se no passado a capacidade de responsabilizar o governo anterior serviu à afirmação do PS, hoje, ainda segundo os dados da Católica, os portugueses culpam mais o governo (36%) do que a crise internacional (30%) pela situação que vivemos. O que serve para recordar que, em política, quando a culpa fica solteira, os eleitores tendem a virar-se para outro lado, mesmo quando só ouvem um ensurdecedor silêncio.

publicado no Diário Económico.

terça-feira, julho 15, 2008

O admirável mundo dos 'chips'

Este fim-de-semana ficámos a saber que o Governo vai apresentar uma proposta de autorização legislativa para introduzir um ‘chip’ na matrícula de todos os veículos. A novidade foi apresentada assentando num conjunto de soluções virtuosas para todos (Estado, concessionários das auto-estradas e naturalmente os proprietários dos automóveis). Tudo feito com um fascínio com a inovação tecnológica que se tornou moda e recurso acrítico para superar as dificuldades que enfrentam as políticas públicas. Afinal, de acordo com o Expresso, “Portugal quer ser pioneiro nas matrículas electrónicas” ou, nas palavras do secretário de Estado das Obras Públicas, “potenciar um ‘cluster’ na área da telemática rodoviária”.

O ‘chip’ terá informação sobre o seguro automóvel, a inspecção periódica e permitirá pagar portagens. Aliás, os sinais de que a introdução do ‘chip’ visa essencialmente permitir a cobrança de portagens nas SCUT, nas quais não foram inicialmente construídas praças de portagens e onde se afigura difícil construí-las, são evidentes. Contudo, nas palavras do membro do Governo, o objectivo do ‘chip’ é bastante prosaico: “aumento da segurança rodoviária, pelo acréscimo de fiscalização. Fiscalizar veículos e não pessoas”. Afinal, uma solução não muito diferente da da Via Verde, pelo que os riscos de estarmos a construir um ‘big brother’ através da circulação rodoviária estariam afastados. Estarão de facto?

Aparentemente não. Desde logo porque a adesão à Via Verde é duplamente voluntária. Só subscreve o serviço quem o deseja e mesmo quem tenha o dispositivo é livre de não o utilizar, podendo optar por pagar portagem de modo tradicional se assim lhe aprouver. A ideia de deixar obrigatoriamente registo da passagem quando se circula na auto-estrada é um primeiro passo em direcção a um mundo perigoso, em que autonomia individual e direito à privacidade começam lentamente a ser confiscados pelo Estado.

Claro que há benefícios em termos de organização social resultantes desta solução, mas alguém duvida que há muitos mecanismos de engenharia social que permitiriam tornar mais eficaz o funcionamento das nossas sociedades, não fora o facto de colocarem em causa direitos, liberdades e garantias? Acontece que a superioridade da democracia liberal não radica nas boas soluções para a organização social, baseadas na modernização tecnológica, mas, acima de tudo, no primado da lei e no respeito pelas liberdades individuais. Neste ‘trade-off’ temos de ser intransigentes, até porque, se sabemos como começam estas coisas, temos boas razões para temer o modo como elas acabam. Afinal, não é difícil pensar em justificações para a introdução de um ‘chip’ individual que, por exemplo, ajude no controlo sanitário ou na busca de crianças desaparecidas.

Como sempre acontece nestes temas, é-nos dito que as razões para alarme são injustificadas: haverá uma entidade que regulará o sistema e que administrará a informação. Uma entidade insuspeita e repleta de mecanismos de controlo. Ora, não é preciso fazer um grande esforço de memória para nos recordarmos de uns quantos exemplos de informação que deveria ser absolutamente privada, sigilosa (e aliás nunca deveria ter sido recolhida) e que foi impunemente divulgada em vários órgãos de comunicação social. O que é que nos garante que outro tipo de informação uma vez recolhida não possa ser usada de modo abusivo?

Dir-me-ão que se trata apenas de um ‘chip’, cuja introdução não viola a Constituição e que os riscos associados à sua introdução são inexistentes e que os benefícios são evidentes. Pode ser tudo verdade, mas a sua introdução aponta para um admirável mundo em que se combina fascínio com a modernização tecnológica e erosão das liberdades individuais. Há, aliás, umas quantas descrições literárias de distopias que começaram assim.

P.S. A semana passada, escrevi aqui que o caso Maddie, até por confirmar um padrão de actuação da Polícia Judiciária, devia colocar em sobressalto todos os que defendem intransigentemente o Estado de Direito. Esta semana ficámos a saber que Robert Murat foi constituído arguido pelo desaparecimento de uma criança, situação em que se mantém há 13 meses, porque uma jornalista achou que ele tinha um comportamento estranho. Isto já não vai lá com indemnizações que reparem danos. Se os responsáveis por este tipo de situações continuarem impunes, só podemos concluir que o país está, no mínimo, a ficar irrespirável. E perigoso.
publicado no Diário Económico.

terça-feira, julho 08, 2008

"Chame o ladrão"

Numa das suas mais conhecidas canções de intervenção, "Acorda amor", Chico Buarque, perante a eminência de uma prisão política, aconselhava a que se chamasse o ladrão. Bem sei que o contexto era outro, uma ditadura militar brutal, mas perante o que se foi sabendo do caso Maddie, para que nos possamos sentir seguros, também entre nós, cada vez parece mais aconselhável "chamar o ladrão".

A semana passada, com a notícia do possível arquivamento do processo Maddie, assistiu-se a mais uma erupção de notícias que expuseram a fragilidade do Estado de direito em Portugal. Aliás, perante o que se lê, há desde logo uma questão que fica: sendo o caso Maddie a mais internacional e mediática investigação ocorrida em Portugal, quantas situações idênticas não existirão, com os mesmos erros e com as mesmas fragilidades, mas que passam à margem do escrutínio público?

Talvez seja fruto da impreparação para lidar com a comunicação social, mas a verdade é que nos processos muito mediáticos, enquanto a investigação vai decorrendo, vai sendo feita uma gestão perversa da informação que é libertada. Invariavelmente através de fontes mais ou menos próximas, alguns órgãos de comunicação vão divulgando um conjunto de "provas" a que tiveram acesso exclusivo. Independentemente da veracidade dos factos, o resultado procurado é dar uma aparência de solidez à investigação. Mas não se fica por aí, frequentemente o objectivo é o de procurar tornar verosímil o que, à partida, parecia improvável. O jornalismo tablóide cumpre depois a sua função: revela uma assinalável capacidade de mudar narrativas e através de julgamentos populares dita sentenças definitivas.

Todo este processo é naturalmente condimentado por um discurso populista sobre os poderosos. No caso Maddie, aliás, há inclusive quem não hesite em responsabilizar o primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, pelos problemas da investigação. Uma hipótese aparentemente delirante, mas que adere à realidade de hoje, onde, até prova em contrário, sobre os políticos paira um espectro de culpa. Perante a fragilidade da investigação, nada como responsabilizar os políticos. Como afirmou o ex-responsável pela investigação ao Expresso: "este caso foi mais político do que policial". Ou seja, a investigação revela-se inconclusiva – o que é absolutamente normal num caso destes – e logo se opta por uma teia conspirativa tecida pelos políticos. No caso em apreço, uma teia global.

Depois as acusações feitas de modo mais ou menos dissimulado na praça pública tendem a assentar em convicções e não em factos. Eu não sei o que se passou na noite de 3 de Maio de 2007, mas não quero saber rigorosamente nada a menos que se baseie em factos sólidos, passíveis de serem provados em Tribunal. O que se espera de uma investigação num Estado de direito é que guarde para si as convicções e que se limite a apresentar provas. Ora, como a sucessão de declarações de vários ex-inspectores da Judiciária se tem encarregado de demonstrar, não há qualquer pudor em fazer acusações na praça pública baseadas essencialmente em convicções. Acontece que esta é claramente uma situação em que, não sendo possível provar factualmente a culpa, há uma obrigação clara, a de se calarem para sempre. Em nome de um princípio basilar das democracias, a presunção da inocência.

Naturalmente que há um juízo de valor que pode ser feito perante todo este processo: nunca saberemos shttp://www.blogger.com/img/gl.link.gife é mais horrível esta http://www.blogger.com/img/gl.link.giffamília, sendo inocente, estar a passar por tudo isto ou, pelo contrário, serem culpados. Contudo, independentemente destes juízos, neste processo joga-se também a credibilidade do Estado de direito em Portugal. Para que todos nos possamos sentir seguros perante a lei e para que tenhamos nesta um último reduto da defesa das liberdades, é fundamental que a justiça se baseie em provas e que se escuse de emitir opiniões. O que o caso Maddie revela é que perante a incapacidade de produzir prova ou face à fragilidade da mesma, a opção seguida é a de intoxicar a comunicação social com pseudo-evidências e, ainda hoje, não hesitar em proferir acusações em público baseadas em convicções pessoais.

Perante um cenário destes, apetece mesmo dizer que com a policia lá fora, para nos sentirmos seguros, o melhor mesmo é "chamar o ladrão". Ou então esperar que, pelo seu impacto mediático, este caso ajude a mudar as práticas da investigação policial em Portugal.

publicado no Diário Económico.

segunda-feira, julho 07, 2008

Mais qualificações

Para quem está desempregado, a taxa de desemprego é invariavelmente de 100%. Contudo, o dramatismo das situações individuais de desemprego não deve fazer com que o desemprego seja tratado politicamente todo da mesma maneira. Há que estabelecer prioridades.
Uma experiência passageira de desemprego é problemática, mas o difícil de resolver é a transformação de uma situação de desemprego em desemprego de longa duração, onde se acumulam factores de afastamento do mercado de trabalho. A possibilidade de alguém que está há muito tempo desempregado entrar no mercado de trabalho é muito menor do que a de quem acaba de cair nessa situação. É por isso mesmo que a prioridade política deve ser dada ao fluxo de desempregados. Assim, os dados mais recentes sobre o desemprego dos licenciados revelam alguns sinais preocupantes. Pese embora se assista a uma diminuição do número absoluto de desempregados licenciados, esta coexiste com um crescimento do número de desempregados licenciados de longa duração (DLD). E, no que é mais preocupante, o DLD nos licenciados está a crescer mais do que o DLD total. Ainda que os dados sejam em parte reflexo do aumento do número de formações superiores em Portugal e se concentrem em alguns cursos, servem também para recordar que é fundamental que as políticas públicas consigam prevenir que situações de desemprego passem de transitórias a longas e particularmente que isso aconteça entre os jovens qualificados. Até porque o mercado de trabalho português continua a precisa de mais qualificações superiores. Mas também de qualificações superiores com qualidade.
publicado no Diário Económico.

quarta-feira, julho 02, 2008

Fragilidades e contradições

Entre os silêncios que Ferreira Leite vai gerindo, vai sendo possível destrinçar algumas das suas opções. Contudo, estas têm sido, nuns casos, fragilizadas pela experiência recente da nova presidente do PSD como ministra de Estado e das Finanças, noutros, contraditadas logo a seguir.

As críticas ao excesso de despesa pública decorrente da opção por duas linhas de TGV pelo actual Governo serviram para expor as fragilidades que enfrenta a afirmação da nova liderança. Sendo uma crítica legítima, foi rapidamente confrontada com o facto do Governo Barroso ter acordado em Conselho de Ministros a construção de cinco linhas.

Já quanto às contradições, basta sublinhar que entre a proclamação (aliás absolutamente justa) da prioridade às classes médias e o que se percebe das orientações assumidas para a política macroeconómica vai uma enorme distância. Como defendia Ferreira Leite ainda este fim-de-semana no “Expresso”, só há um caminho para diminuir a dívida externa, restringir a “concessão de crédito com o consequente agravamento dos respectivos encargos.” O que, como a própria reconhece, “desincentiva o crescimento económico.” – ou seja, responde-se ao arrefecimento económico com mais arrefecimento económico. Este caminho não só já falhou no consulado Barroso, como dele não resultará nada de bom para a classe média.

publicado no Diário Económico.

terça-feira, julho 01, 2008

Adaptabilidade e coesão

Há em Portugal uma tradição para olhar para exemplos estrangeiros quando se discute a modernização da nossa economia. Os casos mobilizados é que vão mudando ao longo do tempo e consoante as preferências políticas: quem prefere a competitividade fiscal, aponta para a Irlanda ou até para as experiências de ‘flat-rate’ dos países do alargamento; aqueles que pensam que o caminho é a activação do mercado de trabalho, elogiam a flexigurança dinamarquesa; os que defendem a alteração do padrão de especialização, sugerem que devemos emular a Finlândia. O problema é que enquanto olhamos para paradigmas de sucesso esquecemos, por um lado, que a transferência de soluções quando é cega às especificidades nacionais é má conselheira e, por outro, que todos os processos de mudança consequentes assentaram em pactos sociais e numa forte propensão para a negociação da parte dos parceiros sociais. Duas características fracamente presentes em Portugal.

O acordo tripartido alcançado em torno da revisão do código do trabalho é uma boa notícia. A revisão da legislação laboral não é a solução para todas as dificuldades que enfrenta a economia portuguesa. Mas se for um contributo para promover uma cultura negocial aos vários níveis pode ser um auxiliar poderoso. Se a existência de um acordo na concertação social deve ser vista como algo de positivo por si só, a solução negociada aponta caminhos que, além do mais, ultrapassam alguns dos bloqueios negociais do passado.

Enquanto há cinco anos a discussão se centrou excessivamente na flexibilidade externa (i.e., a possibilidade de facilitar o despedimento), desta feita o tema não esteve no centro da agenda. Esta opção teve várias vantagens: diminuiu a conflitualidade política, possibilitou que a discussão ultrapassasse querelas estéreis e marcadas pelo fetichismo ideológico e, acima de tudo, recentrou a discussão nas dimensões em que o contributo da legislação laboral para a competitividade da economia e para a coesão social é, de facto, relevante.

O principal mecanismo de rigidez do mercado de trabalho português não é a rigidez externa, mas sim a pouca flexibilidade interna, quer considerando a organização do tempo de trabalho, quer o seu conteúdo funcional. A impossibilidade das empresas fazerem uma gestão mais flexível dos horários de trabalho é, aliás, um aspecto distintivo de Portugal – 78% dos trabalhadores portugueses têm horários fixos de entrada e saída, para uma média da UE-25 de 64%.

A solução negociada procura responder ao défice de adaptabilidade. Mantendo os limites de tempo de trabalho nas 40 horas, abre, contudo, a possibilidade de flexibilização dos mesmos, designadamente através da criação de “bancos de horas” (i.e., horários que concentram o trabalho em alguns dias da semana). Contudo, em lugar de impor, remete esta prerrogativa para a contratação colectiva ou para acordos de empresa. Esta flexibilização, como aliás demonstra à saciedade o exemplo de sucesso da AutoEuropa, pode fazer mais pela competitividade das empresas e pela garantia do emprego do que a liberalização, mais ou menos mitigada, do despedimento.

Mas a legislação laboral não é apenas um mecanismo para a promoção da competitividade, é também um poderoso instrumento de regulação social e de igualitarização de relações assimétricas (entre empregador e trabalhador). O acordo não só não descarta a responsabilidade na promoção da coesão social, como procura contrariar o excesso de segmentação que caracteriza o mercado de trabalho português. Convém não esquecer que, em Portugal, há cerca de 3 milhões de contratos sem termo para cerca de 700 mil com termo. A estes há que somar outra das especificidades nacionais, o número muito significativo de independentes.

Neste contexto, as respostas acordadas para o combate à precariedade, designadamente a diferenciação das taxas contributivas para a segurança social consoante o tipo de vínculo, bem como os incentivos à transformação de trabalho precário em contrato sem termo, são exemplos positivos do que o Estado ainda pode fazer para acomodar a segmentação.

No fim, é natural que nenhuma das partes se reveja inteiramente na solução acordada, o que deve servir para lembrar que o diálogo social é um instrumento eficiente de promoção da mudança quando consegue combinar flexibilidade negocial com capacidade de discutir mais as variáveis que são de facto relevantes e menos aquelas que são fundamentais para “provas de vida” ideológicas mas que, também por isso, tendem a bloquear as negociações.

publicado no Diário Económico.