terça-feira, janeiro 27, 2009

A grande compressão

As crises profundas podem transformar-se em oportunidades. O que se passou a seguir à Grande Depressão é disto exemplo. Enquanto a sociedade norte-americana ultrapassava a recessão, foram também lançadas as bases de uma nova sociedade.

Os historiadores económicos Claudia Goldin e Robert Margo, num artigo em que analisaram a estrutura salarial nos EUA entre 1940-60, apelidaram o que se passou após a Grande Depressão de Grande Compressão. Enquanto o modelo de economia e sociedade que culminou na recessão dos anos 30 se caracterizava por níveis muito elevados de desigualdade combinados com uma concentração da riqueza nos 10% mais ricos, a sociedade norte-americana a partir dos anos 40 até aos anos 70 caracterizou-se por uma inversão deste padrão, tendo-se verificado uma compressão da dispersão salarial a favor das classes médias.

À partida não era expectável que da crise dos anos 30 resultasse uma sociedade mais igualitária. Desde logo porque a crise afectou mais os que se encontravam na base da pirâmide salarial, nomeadamente os menos qualificados. Há, contudo, um conjunto de factores que ajuda a explicar esta tendência: da introdução do salário mínimo em 1933, passando por uma política activa de qualificação dos activos, que aumentou a oferta de trabalhadores qualificados por relação à procura de pouco qualificados num curto espaço de tempo, e, claro, a política económica durante a II Guerra Mundial (que combinou níveis de emprego muito elevados com controlo dos preços e deu uma nova centralidade ao Estado).

A Grande Compressão teve consequências políticas: criou uma sociedade integradora, tornou a mobilidade social uma perspectiva realista e cooptou para o projecto da democracia liberal as classes médias. Serviu para demonstrar que sociedades com distribuição de rendimentos menos desigual tendem a ser mais democráticas, com maior mobilidade e politicamente mais estáveis. Não por acaso, a crise que hoje vivemos foi antecedida por um novo período em que as desigualdades de rendimento nos EUA se acentuaram e em que a proporção de riqueza concentrada nos 10% mais ricos cresceu excessivamente.

A saída para a crise que hoje enfrentamos implica, naturalmente, capacidade para contrariar a recessão económica e colocar o emprego pelo menos aos níveis anteriores. Mas, se queremos robustecer as democracias, convém colocar as opções políticas ao serviço das classes médias, redistribuindo a seu favor.

Na verdade, este exercício pode ser transposto com vantagem para o caso português. Como é frequentemente lembrado, a sociedade portuguesa tem uma distribuição de rendimentos excessivamente desigual. Ainda que os níveis de desigualdade tenham diminuído ligeiramente nos últimos anos e que tenhamos hoje um conjunto de políticas sociais dirigidas às formas mais severas de pobreza comparável ao dos nossos parceiros europeus.

A criação de riqueza é fundamental para distribuir mais e depende, no essencial, da intervenção a dois níveis: qualificações e padrão de especialização da economia. Com mão-de-obra mais qualificada e com capacidade para produzirmos bens com mais valor e transaccionáveis, os nossos níveis de riqueza serão maiores. Há, contudo, dois problemas. Por um lado, a intervenção nestes factores - que tem vindo a ser feita - não produz resultados no imediato; por outro, mais riqueza não significa, por si só, uma distribuição mais justa.

Quais são então os instrumentos disponíveis para termos um padrão de distribuição de rendimento mais justo? Não há pólvora por inventar. Como também nos revela a história da Grande Compressão, à subida das taxas de imposto para os 10% mais ricos correspondeu, por si só, uma distribuição de rendimentos mais equitativa. Para além dos efeitos redistributivos, há uma questão moral que se coloca em Portugal hoje: após tantos casos de gestão danosa com fraca preocupação com o bem comum, é aceitável que quem tenha um rendimento de cerca de 4.000 euros mensais esteja no mesmo escalão para efeitos de IRS do que quem recebe 20.000 euros? Como recordava Fernando Ulrich há uns meses, a actual conjuntura torna ainda mais premente a necessidade de taxar mais os que mais ganham, daí a necessidade de criar um novo escalão de IRS para os rendimentos muitíssimo elevados. Do mesmo modo que, para proteger mais as classes médias dos efeitos da crise, é fundamental que estas possam fazer deduções maiores com as despesas sociais do que quem se encontra no escalão mais elevado.

À escala portuguesa, precisamos hoje de uma grande compressão, de uma concentração dos rendimentos nas classes médias. A crise que enfrentamos é simultaneamente um pretexto e uma oportunidade para iniciarmos esse debate.

publicado no Diário Económico.

sábado, janeiro 24, 2009

Um pobre serviço

Numa das passagens do discurso de tomada de posse, Barack Obama afirmou que os EUA continuam a ser a nação mais próspera e mais poderosa do mundo, com os trabalhadores mais produtivos e as mentes mais inventivas.

A crise não terá alterado nenhuma destas características, pelo que a capacidade norte-americana não se encontra diminuída.

A passagem, soube-se depois, tinha reminiscências assumidas de uma citação de Keynes. Com uma diferença, assinalada por Paul Krugman: enquanto Obama sugere que a depressão que as economias vivem resulta de um falhanço da vontade, Keynes, na citação inspiradora, via na crise dos anos 30 uma incompreensão dos mecanismos que a tinham provocado. A diferença sugere que para Obama a crise é causada por ausência de vontade política, já para Keynes ela era fruto de um falhanço das ideias.

Não vale a pena secundarizar o poder transformador da vontade. É essa a lição de Obama, cuja importância os cínicos se têm apressado a diminuir. Mas, ensina-nos a história, todos os grandes falhanços devem obrigar-nos a pensar e a crise que enfrentamos é um falhanço colossal da ideia de economias de mercado auto-reguladas.

Esta não é mais uma pequena crise cíclica, que um conjunto de pequenos ajustamentos possa resolver através dos mecanismos tradicionais (do investimento público à diminuição das taxas de juro). A crise revelou a incapacidade dos mercados para se autocorrigirem (uma premissa em que assentava a sua eficiência), ao mesmo tempo que serviu para expor o carácter opaco dos mecanismos de regulação do sistema financeiro. Será possível ultrapassar esta tempestade apenas com vontade?

Não. Precisamos também de novas ideias para resgatar o capitalismo global. Como chama a atenção Robert Skidelsky no último número da Prospect, esta crise assenta também num falhanço intelectual. E uma das ideias que falhou é o papel atribuído às agências de ‘rating', como a Standard & Poor's.

As agências de ‘rating' têm particulares responsabilidades na situação de calamidade em que se encontra hoje a economia mundial. Foram estas agências que ao longo dos últimos anos foram avaliando positivamente os activos que se vieram a revelar tóxicos. Paradoxalmente, são agora essas mesmas agências que, ao cortar os ‘ratings' (como aconteceu no caso português), tornam mais caro o recurso dos Estados ao crédito, que é necessário para resolver o problema que elas ajudaram a criar.

Estamos perante um problema que não se resolve com vontade. Precisa antes de novas ideias. Uma delas, como tem sido sugerido por vários economistas, pode passar por pura e simplesmente pôr fim ao papel das agências de ‘rating', hoje descredibilizadas, substituindo-as por uma entidade global, transparente, sujeita à sindicância democrática e, muito relevante, concentrada na defesa do bem bem comum.

publicado no Semanário Económico.

Entrevista ao JN

Ler aqui.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Os trabalhos de Obama

Inspirado na carta que John Maynard Keynes dirigiu a Franklin D. Roosevelt aquando da sua eleição, Paul Krugman escreveu uma carta aberta a Barack Obama. Os paralelismos são evidentes: enfrentamos uma crise que só tem paralelo com a "grande depressão" e as expectativas depositadas na nova administração norte-americana são comparáveis com o que se esperava de FDR. Mas será o caminho a percorrer idêntico ao de Roosevelt? Sim e não, é a resposta de Krugman.

A dimensão dos trabalhos que Obama enfrenta é clara: uma catástrofe iminente no mercado de trabalho. Outros presidentes já enfrentaram situações económicas muito complexas, mas no passado o essencial da gestão das respostas não dependia das administrações. Como recorda Krugman, nos últimos cinquenta anos a gestão macro-económica foi independente de quem ocupava a Casa Branca. Os sucessos e os insucessos dependeram no essencial do grupo de tecnocratas que dominou a Reserva Federal. A dimensão do falhanço de mercados que hoje enfrentamos, não só coloca apenas em causa a autonomia do Fed (e de instituições congéneres), como lhe retira legitimidade para enfrentar os problemas actuais.

Além do mais, os últimos meses têm revelado a ineficiência do Fed no uso de um dos instrumentos típicos de resposta às recessões: a baixa das taxas de juro. Neste momento, já se encontram próximas do zero e o recurso ao crédito continua muito baixo. Mais, com o clima depressivo e a ausência de confiança, a propensão ao consumo é mínima e as famílias que têm algum rendimento disponível inclinam-se para a poupança. O corolário para Krugman é claro: não é realista que possa ser o Fed a contrariar o afundar da economia norte-americana. A resposta depende da Presidência.

O que nos leva ao exemplo de FDR. Para Krugman, Obama tem de aprender com os sucessos, mas, também, com os falhanços do New Deal.
Primeiro o que correu bem. Então, como agora, o primeiro passo é estabilizar o sistema financeiro. Em 1935, o Governo detinha cerca de um terço do sistema bancário, tendo usado essa posição para garantir que os bancos colocavam de facto o dinheiro das ajudas públicas ao serviço da economia. O New Deal assentou também na garantia de que quem tinha habitação própria podia manter as casas, designadamente através da reestruturação dos empréstimos à habitação. Também hoje é essencial apoiar as despesas com empréstimos à habitação.

Depois, o que correu mal. Por estranho que possa parecer, o problema do New Deal foi a criação de emprego. Para Krugman, o programa de empregos lançado por FDR não foi nem suficientemente grande, nem sustentado. Quando a economia se encontra em profunda depressão, há que colocar as preocupações com os défices orçamentais de lado. Roosevelt nunca conseguiu fazê-lo, adoptando uma política cautelosa. Com as empresas e os consumidores a cortarem drasticamente na despesa, a economia enfrenta uma diminuição brutal da procura, que só pode levar a uma queda violenta no emprego. Neste momento, só o Estado pode impedir esta trajectória. Como? Ocupando o vazio deixado pela retracção do sector privado, aumentando a despesa pública e apoiando o emprego. Krugman alerta que gastos desta dimensão, numa altura em que a receita fiscal só pode diminuir, irão produzir um desequilíbrio orçamental assustador. A alternativa é um aumento exponencial do desemprego, que acarretará níveis de perturbação política com consequências imprevisíveis e que empurrará grandes franjas da classe média para a pobreza.

Há contudo uma mensagem final que Krugman deixa a Obama. Salvar a economia deve ser a principal prioridade, mas, não menos importante, é preciso criar um serviço nacional de saúde. O acesso adequado de todos a cuidados de saúde desempenhará nesta administração o papel que a criação da segurança social pública desempenhou no New Deal. Após décadas de proselitismo ideológico que deslegitimou o papel das políticas públicas, do sucesso desta iniciativa dependerá a capacidade para provar que o Governo pode servir o interesse comum, o que representará uma mudança no pêndulo político norte-americano numa direcção progressista.

Quando a Europa revela uma timidez assustadora perante a dimensão dos problemas que enfrentamos, mais uma vez resulta claro que devemos esperar da nova administração norte-americana o desbravar do caminho para superar a actual crise. Um caminho que, como sugere Krugman, não depende de uma sucessão de pequenos ajustamentos, mas sim da capacidade de repensar profundamente as instituições, políticas e regras que nos trouxeram até aqui. É por isso que precisamos de um novo Keynes e de um novo Roosevelt, mais do que regressar a Keynes e a Roosevelt.

publicado no Diário Económico.

terça-feira, janeiro 13, 2009

das duas, uma

Nos últimos tempos, não passa uma semana sem que uma declaração atribuída a fonte de Belém dê direito a uma manchete nos jornais. Primeiro foi o anúncio da não promulgação do Orçamento de Estado no Sol, logo seguido da notícia de que, afinal, a promulgação tinha assentado num pedido de explicações adicional ao Governo, desta feita no Público, para culminar esta semana com o aviso, no Expresso, de que o Presidente quer as autárquicas em simultâneo com as legislativas e que se prepara para chumbar a Lei do voto dos emigrantes. Todas estas manchetes foram devidamente amplificadas por todos os media, fazendo, por isso, o seu percurso. A provarem-se verdadeiras, esta sucessão de notícias só poderia provar que à cooperação estratégica se seguiu a guerrilha institucional em surdina.

Acontece que a Presidência não deixou passar muito tempo até refutar, através de comunicados do seu Chefe da Casa Civil, o teor das notícias, bem como negar a responsabilidade pela sua divulgação. Ora, das duas uma: ou as notícias têm origem na Presidência da República ou são efabulações jornalísticas. Convenhamos que tendo em conta que as notícias anunciadas não se têm concretizado (veja-se a promulgação do Orçamento de Estado) e que a Presidência as refutou, a partir deste momento a responsabilidade está do lado dos jornais.

Há, a este respeito, dois tipos de questões. Uma que se prende com a própria relevância atribuída a notícias baseadas em declarações de fontes em ‘off' e uma outra que remete para a atitude a tomar pelos media quando as fontes se revelam pouco fidedignas.

Ninguém duvida da importância das fontes anónimas para as investigações jornalísticas. Mas uma coisa é o jornalismo de investigação, que muitas das vezes serve para iniciar processos judiciais que de outro modo não seriam possíveis ou para revelar factos que até podem não ter relevância criminal mas são politicamente relevantes. Outra coisa diferente são as notícias eminentemente políticas baseadas no ‘off'. Das lutas intestinas aos partidos às relações entre órgãos do Estado, os jornais estão cheios de manchetes baseados no ‘off', que de excepção se tornou regra, sem que se perceba bem porquê.

Por outro lado, não estarão os jornais a contrair uma responsabilidade perante os seus leitores quando atribuem relevância a uma notícia que depois a realidade se encarrega de desmentir? A resposta é claramente sim e se essa notícia é baseada em fontes em ‘off', até que ponto não lhes competirá, naturalmente reservando o anonimato, justificar o motivo porque atribuíram credibilidade à fonte? Há naturalmente um cenário alternativo: a realidade encarrega-se de não confirmar as notícias precisamente por terem sido noticiadas. O problema é que este cenário não é passível de contra-factual, pelo que nunca saberemos se é esse o caso.

Em toda esta novela das relações entre fontes anónimas alegadamente próximas do Presidente e as manchetes temerárias da imprensa, há, contudo, um episódio aparentemente secundário, mas que, de facto, não o é.

O jornalista Mário Crespo fez uma afirmação a propósito das fontes anónimas, que me parece ser uma verdade de La Palisse sobre a qual ninguém poderia discordar, inclusive a Presidência: "Uma coisa é certa: ou as notícias saem lá de dentro (da Presidência) ou são inventadas pelos jornais."

Perante esta afirmação, o Chefe da Casa Civil de Cavaco Silva decidiu enviar uma carta ao Director de Informação da SIC, em que repudiava veementemente as afirmações de Mário Crespo. Até aqui, considerando que se trata de uma questão editorial, tudo legítimo. Acontece que, ao mesmo tempo que não enviou cópia da carta para o visado (o que não deixa de ser singular), fez chegar um exemplar ao Presidente da empresa proprietária da estação televisiva, Pinto Balsemão - que por sinal é também conselheiro de Estado.

Ora um dos princípios basilares da liberdade de informação é a independência editorial face à propriedade dos órgãos de informação. Algo aliás que Pinto Balsemão, ele próprio com um passado de jornalista, tem sabido demonstrar ao longo dos tempos. Em nome do Presidente, Nunes Liberato, não só assumiu que tal princípio geral não é para ser levado à letra, como, certamente de modo não deliberado, procurou pressionar a informação da SIC e condicionar Mário Crespo. Se não é esse o caso, qual o motivo do envio da carta a Pinto Balsemão? Numa altura em que se tem desenvolvido uma narrativa aparentemente tão sofisticada sobre o condicionamento político dos media, que dizer do que se passou a propósito das fontes atribuídas a Belém.

publicado no Diário Económico.

sábado, janeiro 10, 2009

Falar mentira

A declaração do Presidente da República sublinhando que é preciso falar verdade aos portugueses tem sido recebida com grande entusiasmo. Como se no meio de uma classe política contaminada por um surto de irrealismo, Cavaco Silva fosse o garante único da relação adequada entre realidade e discurso político. A ideia não é nova. Ainda durante a campanha presidencial, Cavaco Silva já havia afirmado que “duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar”. Aparentemente, para o Presidente, a política é uma disputa pela definição positivista de soluções, baseadas em diagnósticos desprovidos de juízos de valor.
Há naturalmente uma versão da “verdade” de que a política necessita como pão para a boca para garantir a sua credibilidade: evitar as promessas que são feitas para não serem cumpridas ou que são colocadas dentro da gaveta do esquecimento à primeira oportunidade. Mas a verdade que decorre do discurso de Cavaco Silva não é apenas isso: assenta antes na constatação de que há factos que não devem ser expostos a argumentos, pois são, em si, incontestáveis.
Desse ponto de vista, o que precisamos é de políticos que interpretem os factos. Que defendam a sua “mentira”: uma visão alternativa da realidade, apontando soluções contrastantes e definidoras de projectos políticos. Por estranho que possa parecer, a mentira fará mais pela credibilidade da política do que a verdade, pois é dela que depende a diferenciação e a possibilidade de escolhas. Basta pensar nas respostas à crise.
O Presidente tem chamado a atenção para os níveis de endividamento externo e o modo como estes comprometem o futuro do País. Ninguém discordará da dimensão do problema, ainda que possa haver dissensão quanto à sua natureza. Mas há assinalável discórdia sobre a prioridade a dar ao tema em 2009. Não há uma verdade insofismável sobre o que fazer quanto ao endividamento externo. Enquanto o Presidente insiste no tema, por exemplo, Vítor Constâncio, na nota introdutória ao Boletim de Inverno, distancia-se da “verdade” presidencial. A “mentira” de Constâncio é bem diferente da “verdade” de Cavaco, quando afirma que, “no curto prazo, conter mais o crescimento do endividamento externo implicaria o agravamento da recessão, que não seria aceitável face aos riscos de desemprego e perda de rendimento que implica. A prioridade da política económica em todos os países consiste agora (...) em adoptar políticas expansionistas.” Aos olhos do Presidente, imagino que seja uma “mentira”. Mas parece-me uma boa “mentira”, porque serve para demonstrar que contra factos há argumentos e é de argumentos que a política precisa – em especial, a política económica num contexto de crise profunda.

publicado no Semanário Económico.

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Concórdia Institucional

A expectativa em torno da mensagem de Ano Novo do Presidente era grande. O tom inusitadamente violento da última comunicação ao país deixou um espectro a pairar sobre as relações entre Belém e São Bento. À comunicação de segunda-feira faltou o corolário lógico - um último parágrafo a anunciar a dissolução da Assembleia. Depois disso, a dúvida era saber se Cavaco Silva usaria a mensagem para dar mais um passo de ruptura ou retomaria os termos da cooperação estratégica.

A mensagem foi um misto de concórdia institucional com um discurso de "Rainha de Inglaterra", que ninguém hesita em subscrever. O reconhecimento pelo Presidente de que é preciso que os agentes políticos deixem de lado querelas que não interessam aos portugueses e se centrem nas verdadeiras prioridades (os temas económicos e sociais) combinado com as referências às nossas debilidades estruturais (ex. o endividamento externo) é disto exemplo.

Resta saber se estamos perante um interregno na ruptura, em que uma eventual dissolução fica à espera de pretexto, ou se, pelo contrário, estão a ser dados passos para reinventar a cooperação estratégica, adequando-a ao contexto de crise. Na verdade, a cooperação é agora mais necessária do que no passado. O que responsabiliza Presidência, mas, também, naturalmente, Governo e Assembleia. Os portugueses não compreenderiam se fosse aberto outro conflito estéril.

publicado no DN.