terça-feira, janeiro 13, 2009

das duas, uma

Nos últimos tempos, não passa uma semana sem que uma declaração atribuída a fonte de Belém dê direito a uma manchete nos jornais. Primeiro foi o anúncio da não promulgação do Orçamento de Estado no Sol, logo seguido da notícia de que, afinal, a promulgação tinha assentado num pedido de explicações adicional ao Governo, desta feita no Público, para culminar esta semana com o aviso, no Expresso, de que o Presidente quer as autárquicas em simultâneo com as legislativas e que se prepara para chumbar a Lei do voto dos emigrantes. Todas estas manchetes foram devidamente amplificadas por todos os media, fazendo, por isso, o seu percurso. A provarem-se verdadeiras, esta sucessão de notícias só poderia provar que à cooperação estratégica se seguiu a guerrilha institucional em surdina.

Acontece que a Presidência não deixou passar muito tempo até refutar, através de comunicados do seu Chefe da Casa Civil, o teor das notícias, bem como negar a responsabilidade pela sua divulgação. Ora, das duas uma: ou as notícias têm origem na Presidência da República ou são efabulações jornalísticas. Convenhamos que tendo em conta que as notícias anunciadas não se têm concretizado (veja-se a promulgação do Orçamento de Estado) e que a Presidência as refutou, a partir deste momento a responsabilidade está do lado dos jornais.

Há, a este respeito, dois tipos de questões. Uma que se prende com a própria relevância atribuída a notícias baseadas em declarações de fontes em ‘off' e uma outra que remete para a atitude a tomar pelos media quando as fontes se revelam pouco fidedignas.

Ninguém duvida da importância das fontes anónimas para as investigações jornalísticas. Mas uma coisa é o jornalismo de investigação, que muitas das vezes serve para iniciar processos judiciais que de outro modo não seriam possíveis ou para revelar factos que até podem não ter relevância criminal mas são politicamente relevantes. Outra coisa diferente são as notícias eminentemente políticas baseadas no ‘off'. Das lutas intestinas aos partidos às relações entre órgãos do Estado, os jornais estão cheios de manchetes baseados no ‘off', que de excepção se tornou regra, sem que se perceba bem porquê.

Por outro lado, não estarão os jornais a contrair uma responsabilidade perante os seus leitores quando atribuem relevância a uma notícia que depois a realidade se encarrega de desmentir? A resposta é claramente sim e se essa notícia é baseada em fontes em ‘off', até que ponto não lhes competirá, naturalmente reservando o anonimato, justificar o motivo porque atribuíram credibilidade à fonte? Há naturalmente um cenário alternativo: a realidade encarrega-se de não confirmar as notícias precisamente por terem sido noticiadas. O problema é que este cenário não é passível de contra-factual, pelo que nunca saberemos se é esse o caso.

Em toda esta novela das relações entre fontes anónimas alegadamente próximas do Presidente e as manchetes temerárias da imprensa, há, contudo, um episódio aparentemente secundário, mas que, de facto, não o é.

O jornalista Mário Crespo fez uma afirmação a propósito das fontes anónimas, que me parece ser uma verdade de La Palisse sobre a qual ninguém poderia discordar, inclusive a Presidência: "Uma coisa é certa: ou as notícias saem lá de dentro (da Presidência) ou são inventadas pelos jornais."

Perante esta afirmação, o Chefe da Casa Civil de Cavaco Silva decidiu enviar uma carta ao Director de Informação da SIC, em que repudiava veementemente as afirmações de Mário Crespo. Até aqui, considerando que se trata de uma questão editorial, tudo legítimo. Acontece que, ao mesmo tempo que não enviou cópia da carta para o visado (o que não deixa de ser singular), fez chegar um exemplar ao Presidente da empresa proprietária da estação televisiva, Pinto Balsemão - que por sinal é também conselheiro de Estado.

Ora um dos princípios basilares da liberdade de informação é a independência editorial face à propriedade dos órgãos de informação. Algo aliás que Pinto Balsemão, ele próprio com um passado de jornalista, tem sabido demonstrar ao longo dos tempos. Em nome do Presidente, Nunes Liberato, não só assumiu que tal princípio geral não é para ser levado à letra, como, certamente de modo não deliberado, procurou pressionar a informação da SIC e condicionar Mário Crespo. Se não é esse o caso, qual o motivo do envio da carta a Pinto Balsemão? Numa altura em que se tem desenvolvido uma narrativa aparentemente tão sofisticada sobre o condicionamento político dos media, que dizer do que se passou a propósito das fontes atribuídas a Belém.

publicado no Diário Económico.