os partidos e a tempestade perfeita
A actual crise tem sido descrita como uma “tempestade perfeita”, a conjugação improvável de um conjunto de factores que, ao mesmo tempo que a torna arrasadora, dificulta que se vislumbrem respostas eficazes para a contrariar. Perante este contexto, os partidos que se encontram no poder deveriam ser levados pela tempestade. Paradoxalmente, isto não está a acontecer, sendo que a crise tem, um pouco por toda a parte, favorecido os Governos. Portugal não é excepção.
As últimas sondagens têm revelado grande consistência e consolidam uma tendência: enquanto o PS se situa em redor dos 40%, no limiar da maioria absoluta, o PSD tem apresentado uma flutuação negativa, que o empurra para valores próximos dos das últimas legislativas, com Santana Lopes. O elemento mais surpreendente continua a ser os cerca de 20% de eleitores que indicam que irão votar num dos dois partidos à esquerda do PS.
Tem sido frequentemente apontado um conjunto de razões para explicar esta situação: “Ferreira Leite é uma má líder, sem carisma”; “o PS ocupou o espaço político do PSD” ou “o PS governa à direita”. Será que são suficientes? Talvez não.
Os resultados do PSD têm uma componente estrutural e outra conjuntural que, em importante medida, configuram, à sua escala, uma “tempestade perfeita” – perante a qual nenhum líder, por mais carismático, poderia resistir.
Em primeiro lugar, o ruído interno que se tornou estrutural, enraizando um clima de antagonismo militante que dificulta a afirmação de qualquer liderança. Depois, a conjuntura que tornou impraticável a afirmação de um discurso alternativo. Se antes o espaço político para a diferenciação do PSD poderia assentar na defesa de menos Estado e num posicionamento mais liberal, agora essa margem deixou de existir. Por força da conjuntura, o PSD ficou sem discurso alternativo.
Mas a ausência de alternativa não deveria ser suficiente para explicar os resultados do PS, ainda mais num momento em que o Governo enfrenta grande contestação popular (vide os professores), em que a economia se encontra estagnada e em que o desemprego apresenta valores incomuns para Portugal. Na verdade, em circunstâncias normais, esta tempestade seria devastadora para o Governo, mas não o está a ser.
Isto acontece porque, antes de mais, há uma percepção generalizada da natureza importada da crise. Depois, durante uma tempestade, quando o barco pode de facto ir ao fundo, é improvável que os passageiros queiram mudar de tripulação e comandante. Uma crise normal arrasaria o Governo, uma tempestade perfeita fortalece quem está no poder. Ninguém está disponível para somar instabilidade política às dificuldades económicas e sociais.
Este contexto tem ajudado a que os portugueses, mesmo quando descontentes com o actual Governo, afirmem maioritariamente que outro partido não faria melhor. Até porque a própria instabilidade da agenda (veja-se o que já ocorreu desde a apresentação do O.E. até agora) permite que o Governo incorpore sem dificuldade as propostas da oposição, mesmo quando estas vão contra o que era a posição do executivo pouco tempo antes. Estar ao leme e mostrar capacidade de reacção é hoje uma vantagem comparativa difícil de contrariar.
Se a isto somarmos o que já eram marcas distintivas do actual Governo e que o tornavam competitivo (por exemplo, a impopularidade dos interesses das corporações e as reformas difíceis terem menores custos sociais e serem percepcionadas como legítimas se forem feitas por Governos de esquerda), percebe-se como, mesmo perante factores muito adversos, o PS continua a liderar nas intenções de voto.
Tudo o resto igual, restam por isso dois grandes obstáculos entre o Governo e a repetição da maioria absoluta: o arrefecimento da cooperação estratégica com o Presidente da República e uma cisão do PS, que juntaria Manuel Alegre às “outras esquerdas”. Provavelmente, nenhum destes factores se relaciona com a tempestade. Neste quadro, colocar em causa a cooperação estratégica, como tem acontecido por força do estatuto dos Açores, é, no mínimo, uma imprudência. Já o surgimento de um novo partido, protagonizado por Alegre, pode ter um efeito devastador para o PS se conseguir ir buscar votos à abstenção e se servir para ajudar que eleitores tradicionais do PS, habitualmente indisponíveis para votar BE e PCP, se sintam confortáveis ao não votarem socialista. Contudo, se o essencial do eleitorado descontente já não estiver neste momento a “votar” PS, Alegre pode provocar uma tempestade sim, mas no barco dos seus parceiros conjunturais, BE e PCP. Na verdade, esta é a grande incógnita do início do próximo ano político.
publicado no Diário Económico.
As últimas sondagens têm revelado grande consistência e consolidam uma tendência: enquanto o PS se situa em redor dos 40%, no limiar da maioria absoluta, o PSD tem apresentado uma flutuação negativa, que o empurra para valores próximos dos das últimas legislativas, com Santana Lopes. O elemento mais surpreendente continua a ser os cerca de 20% de eleitores que indicam que irão votar num dos dois partidos à esquerda do PS.
Tem sido frequentemente apontado um conjunto de razões para explicar esta situação: “Ferreira Leite é uma má líder, sem carisma”; “o PS ocupou o espaço político do PSD” ou “o PS governa à direita”. Será que são suficientes? Talvez não.
Os resultados do PSD têm uma componente estrutural e outra conjuntural que, em importante medida, configuram, à sua escala, uma “tempestade perfeita” – perante a qual nenhum líder, por mais carismático, poderia resistir.
Em primeiro lugar, o ruído interno que se tornou estrutural, enraizando um clima de antagonismo militante que dificulta a afirmação de qualquer liderança. Depois, a conjuntura que tornou impraticável a afirmação de um discurso alternativo. Se antes o espaço político para a diferenciação do PSD poderia assentar na defesa de menos Estado e num posicionamento mais liberal, agora essa margem deixou de existir. Por força da conjuntura, o PSD ficou sem discurso alternativo.
Mas a ausência de alternativa não deveria ser suficiente para explicar os resultados do PS, ainda mais num momento em que o Governo enfrenta grande contestação popular (vide os professores), em que a economia se encontra estagnada e em que o desemprego apresenta valores incomuns para Portugal. Na verdade, em circunstâncias normais, esta tempestade seria devastadora para o Governo, mas não o está a ser.
Isto acontece porque, antes de mais, há uma percepção generalizada da natureza importada da crise. Depois, durante uma tempestade, quando o barco pode de facto ir ao fundo, é improvável que os passageiros queiram mudar de tripulação e comandante. Uma crise normal arrasaria o Governo, uma tempestade perfeita fortalece quem está no poder. Ninguém está disponível para somar instabilidade política às dificuldades económicas e sociais.
Este contexto tem ajudado a que os portugueses, mesmo quando descontentes com o actual Governo, afirmem maioritariamente que outro partido não faria melhor. Até porque a própria instabilidade da agenda (veja-se o que já ocorreu desde a apresentação do O.E. até agora) permite que o Governo incorpore sem dificuldade as propostas da oposição, mesmo quando estas vão contra o que era a posição do executivo pouco tempo antes. Estar ao leme e mostrar capacidade de reacção é hoje uma vantagem comparativa difícil de contrariar.
Se a isto somarmos o que já eram marcas distintivas do actual Governo e que o tornavam competitivo (por exemplo, a impopularidade dos interesses das corporações e as reformas difíceis terem menores custos sociais e serem percepcionadas como legítimas se forem feitas por Governos de esquerda), percebe-se como, mesmo perante factores muito adversos, o PS continua a liderar nas intenções de voto.
Tudo o resto igual, restam por isso dois grandes obstáculos entre o Governo e a repetição da maioria absoluta: o arrefecimento da cooperação estratégica com o Presidente da República e uma cisão do PS, que juntaria Manuel Alegre às “outras esquerdas”. Provavelmente, nenhum destes factores se relaciona com a tempestade. Neste quadro, colocar em causa a cooperação estratégica, como tem acontecido por força do estatuto dos Açores, é, no mínimo, uma imprudência. Já o surgimento de um novo partido, protagonizado por Alegre, pode ter um efeito devastador para o PS se conseguir ir buscar votos à abstenção e se servir para ajudar que eleitores tradicionais do PS, habitualmente indisponíveis para votar BE e PCP, se sintam confortáveis ao não votarem socialista. Contudo, se o essencial do eleitorado descontente já não estiver neste momento a “votar” PS, Alegre pode provocar uma tempestade sim, mas no barco dos seus parceiros conjunturais, BE e PCP. Na verdade, esta é a grande incógnita do início do próximo ano político.
publicado no Diário Económico.
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