Uma história portuguesa
Passados trinta anos, voltaram as nacionalizações em Portugal, desta feita por necessidade e, espera-se, com a possibilidade de reprivatização no horizonte. Se há um par de meses o tema em discussão era a privatização da Caixa Geral de Depósitos, hoje passou a ser o modo como a CGD deve dar a mão aos bancos privados. Não há aqui nenhum motivo de satisfação, nem sequer para os que defendem a importância de um banco público sólido e capaz de desempenhar uma função de estabilização do sistema financeiro. A nacionalização do BPN é um sinal de falhanço, antes de mais, dos responsáveis pela administração do banco, mas, também, das entidades reguladoras.
O BPN é uma história bem portuguesa. Os problemas que o banco enfrentava eram, em bom rigor, um segredo de polichinelo. Falava-se deles à boca pequena, sem que nada acontecesse. Na verdade, as dificuldades do banco pouco têm a ver com a crise do sector financeiro, o BPN limitou-se a apanhar boleia da crise. Naturalmente que o contexto de dificuldades financeiras dificultou o plano de Cadilhe para recuperar o banco, precipitando a situação.
Não deixa de ser surpreendente que, apesar de conhecidos os problemas do BPN, as entidades reguladoras, à cabeça o Banco de Portugal, nada tivessem feito. Agora foram tornados públicos os fortes indícios de negócios próximos entre o banco e alguns dos seus accionistas, a existência de “activos clandestinos” (o tal “balcão virtual” que funcionava no Banco Insular em Cabo Verde) e ainda o recurso a sociedades ‘off-shores’, controladas pelo próprio grupo, para aumentar o capital social; mas, na verdade, nada disto deveria surpreender alguém mais atento. E o mínimo que se pode dizer é que o Banco de Portugal andou desatento. Até porque fica a impressão que só após as denúncias junto da Procuradoria-Geral da República é que o processo acelerou. Contudo, daí a transformar-se o polícia (o Banco de Portugal) no culpado vai uma grande distância.
Até porque a história do BPN convém ser recordada. Foi criado como banco de negócios sob alçada política do cavaquismo e, à imagem do BCP, com uma estrutura accionista fragmentada e cruzada com créditos dos accionistas junto do próprio banco. Este quadro criou condições para que o ex-presidente Oliveira e Costa assumisse uma gestão muito personalizada, com traços de nepotismo. Como lembrava o Público há uns meses, o BPN sempre teve uma “base política clara” e, em redor do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais dos governos de Cavaco Silva, Oliveira e Costa, gravitaram na gestão invariavelmente figuras de relevo do cavaquismo. No fundo, para utilizar uma expressão que Cavaco Silva popularizou, o BPN era o banco da “boa moeda”.
Mas para que o BPN não se torne uma verdadeira história portuguesa é fundamental que esta “boa moeda” que teve responsabilidades nos actos irregulares não saia incólume e seja responsabilizada. A impunidade seria insustentável, ainda mais num contexto em que o Estado – ou seja, todos nós – surge a acomodar financeiramente a situação de falência técnica em que o BPN se encontra. Esta é a contrapartida mínima que colectivamente podemos exigir.
Do ponto de vista do Estado, o recurso à nacionalização, sendo naturalmente uma má solução, é também a única disponível e bem preferível às injecções de capital sem assumpção de posição accionista. Até porque, ficámos agora a saber, a opção pela nacionalização foi tomada apenas depois de esgotadas todas as outras. Desde logo porque o Estado recusou subscrever o aumento de capital, em troca de acções preferenciais sem voto, como era desejado pelo BPN e, depois, porque as tentativas para encontrar junto dos outros bancos privados uma solução saíram goradas.
O caso do BPN vem, uma vez mais, revelar o papel decisivo do Estado em garantir a segurança e a confiança nas relações económicas. Mas, esperemos que, do mesmo modo que os novos tempos vieram tornar claras as debilidades estruturais do sistema financeiro capitalista à escala global, obrigando a encontrar novos modelos de regulação, também a solução do BPN não se fique apenas pela nacionalização. É preciso responsabilizar quem cometeu irregularidades, com custos evidentes para os accionistas, e também criar condições efectivas para que histórias como a do BPN não se desenrolem à sombra da passividade e da conivência colectiva.
publicado no Diário Económico.
O BPN é uma história bem portuguesa. Os problemas que o banco enfrentava eram, em bom rigor, um segredo de polichinelo. Falava-se deles à boca pequena, sem que nada acontecesse. Na verdade, as dificuldades do banco pouco têm a ver com a crise do sector financeiro, o BPN limitou-se a apanhar boleia da crise. Naturalmente que o contexto de dificuldades financeiras dificultou o plano de Cadilhe para recuperar o banco, precipitando a situação.
Não deixa de ser surpreendente que, apesar de conhecidos os problemas do BPN, as entidades reguladoras, à cabeça o Banco de Portugal, nada tivessem feito. Agora foram tornados públicos os fortes indícios de negócios próximos entre o banco e alguns dos seus accionistas, a existência de “activos clandestinos” (o tal “balcão virtual” que funcionava no Banco Insular em Cabo Verde) e ainda o recurso a sociedades ‘off-shores’, controladas pelo próprio grupo, para aumentar o capital social; mas, na verdade, nada disto deveria surpreender alguém mais atento. E o mínimo que se pode dizer é que o Banco de Portugal andou desatento. Até porque fica a impressão que só após as denúncias junto da Procuradoria-Geral da República é que o processo acelerou. Contudo, daí a transformar-se o polícia (o Banco de Portugal) no culpado vai uma grande distância.
Até porque a história do BPN convém ser recordada. Foi criado como banco de negócios sob alçada política do cavaquismo e, à imagem do BCP, com uma estrutura accionista fragmentada e cruzada com créditos dos accionistas junto do próprio banco. Este quadro criou condições para que o ex-presidente Oliveira e Costa assumisse uma gestão muito personalizada, com traços de nepotismo. Como lembrava o Público há uns meses, o BPN sempre teve uma “base política clara” e, em redor do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais dos governos de Cavaco Silva, Oliveira e Costa, gravitaram na gestão invariavelmente figuras de relevo do cavaquismo. No fundo, para utilizar uma expressão que Cavaco Silva popularizou, o BPN era o banco da “boa moeda”.
Mas para que o BPN não se torne uma verdadeira história portuguesa é fundamental que esta “boa moeda” que teve responsabilidades nos actos irregulares não saia incólume e seja responsabilizada. A impunidade seria insustentável, ainda mais num contexto em que o Estado – ou seja, todos nós – surge a acomodar financeiramente a situação de falência técnica em que o BPN se encontra. Esta é a contrapartida mínima que colectivamente podemos exigir.
Do ponto de vista do Estado, o recurso à nacionalização, sendo naturalmente uma má solução, é também a única disponível e bem preferível às injecções de capital sem assumpção de posição accionista. Até porque, ficámos agora a saber, a opção pela nacionalização foi tomada apenas depois de esgotadas todas as outras. Desde logo porque o Estado recusou subscrever o aumento de capital, em troca de acções preferenciais sem voto, como era desejado pelo BPN e, depois, porque as tentativas para encontrar junto dos outros bancos privados uma solução saíram goradas.
O caso do BPN vem, uma vez mais, revelar o papel decisivo do Estado em garantir a segurança e a confiança nas relações económicas. Mas, esperemos que, do mesmo modo que os novos tempos vieram tornar claras as debilidades estruturais do sistema financeiro capitalista à escala global, obrigando a encontrar novos modelos de regulação, também a solução do BPN não se fique apenas pela nacionalização. É preciso responsabilizar quem cometeu irregularidades, com custos evidentes para os accionistas, e também criar condições efectivas para que histórias como a do BPN não se desenrolem à sombra da passividade e da conivência colectiva.
publicado no Diário Económico.
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