convergência à esquerda?
Após trinta e quatro anos de democracia, a convergência na governação dos partidos à esquerda continua a revelar-se uma impossibilidade. As diferenças com o que se passa à direita são manifestas. Desde logo, porque há um património resultante de dois governos de coligação e depois porque o declínio eleitoral do CDS-PP parece irreversível. Hoje, tornou-se ainda mais fácil a existência de maiorias absolutas no centro-direita. Com votações em torno dos 20% nos partidos à esquerda do PS, as possibilidades dos socialistas terem maiorias absolutas depende, em larga medida, de circunstâncias excepcionais (ex. o abandono de Barroso e a “experiência” Santana). Este quadro pode gerar uma situação paradoxal: enquanto uma maioria dos eleitores vota à esquerda, as condições de governabilidade à direita são bem mais fáceis.
Sintomaticamente, esta semana, numa declaração relativamente inédita, Jerónimo de Sousa veio apelar a uma convergência de esquerda, incluindo, até, pasme-se, o PS. Desde que fosse, claro está, para mudar de políticas. Há nesta declaração um intuito táctico: o PCP procura, desde já, descartar eventuais responsabilidades por uma entrega do poder à direita mesmo perante a existência de uma maioria política à esquerda. Em todo o caso, não há razão nenhuma para não se olhar para as condições objectivas da convergência. Ler as “teses” para o XVIII congresso do PCP, que se vai realizar no próximo mês, é um bom exercício e também a melhor prova da impossibilidade absoluta de convergência política entre partidos de esquerda com a participação dos comunistas. Até porque, citando o próprio PCP, “a social-democracia [...] está cada vez mais comprometida com o grande capital e as mais reaccionárias e agressivas políticas do imperialismo”.
Entusiasmado pelo arrefecimento do seu declínio eleitoral e pelas alterações na economia política internacional, o PCP vive hoje uma nova fase. Se nas duas últimas décadas os comunistas portugueses aparentavam ter vivido à defesa na sua singular ortodoxia, hoje, não há dúvida, vislumbram nos sinais dos tempos uma nova esperança para o renascer do movimento comunista internacional – “as leis fundamentais da reprodução do capital formuladas por Marx e Engels revelam-se de uma flagrante actualidade”. E, nestes novos tempos, o PCP aparenta considerar-se um farol que indica o caminho do regresso do comunismo – “constitui, na actualidade, uma possibilidade real cada vez mais necessária e urgente”. É neste contexto que devem ser lidas as “teses”, nomeadamente no que tem a ver com política internacional.
Sempre com o pretexto do combate ao “imperialismo” (“a validade das teses de Lenine sobre o imperialismo), regressa em força o anti-europeísmo ( “a União Europeia é, no actual quadro internacional, um pólo imperialista orientado para o aumento da exploração e do intervencionismo agressivo”), abrindo-se mesmo a possibilidade de “desvinculação” da UE, a Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) é vista como um “instrumento da cavalgada do imperialismo para Leste desencadeada após a desagregação da URSS” e, claro, lá está a invariável defesa da saída de Portugal da NATO, uma “polícia de choque do imperialismo”.
Lidas as teses, fica, no entanto, a dúvida se o mais chocante são as referências ao “papel de resistência à “nova ordem” imperialista” dos países que definem como “orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista – Cuba, China, Vietname, Laos e R.D.P. da Coreia” ou, pelo contrário, a nostalgia despudorada da U.R.S.S – “a contribuição da URSS e, posteriormente, do campo dos países socialistas, para os grandes avanços de civilização verificados no século XX foi gigantesca”. Até porque ficamos a saber que “a caminhada da humanidade para o socialismo e o comunismo sofreu profundos reveses no findar do século com a destruição da URSS e as derrotas do socialismo no Leste da Europa”.
As “teses” do PCP ao seu XVIII poderiam ser vistas como uma peça cómica, resultado do carácter excêntrico do partido português. Contudo, têm uma dimensão claramente trágica. Se são para ser lidas e levadas a sério, são a prova cabal da impossibilidade de criar condições para a governabilidade entre os partidos de esquerda. Até porque, imagina-se, para o PCP, um Governo saído de um parlamento eleito deve ser pouco mais do que um exemplo desprezível do funcionamento da democracia burguesa. De facto, isto não está escrito nas “teses”, mas é a única conclusão possível de retirar da sua leitura.
publicado no Diário Económico.
Sintomaticamente, esta semana, numa declaração relativamente inédita, Jerónimo de Sousa veio apelar a uma convergência de esquerda, incluindo, até, pasme-se, o PS. Desde que fosse, claro está, para mudar de políticas. Há nesta declaração um intuito táctico: o PCP procura, desde já, descartar eventuais responsabilidades por uma entrega do poder à direita mesmo perante a existência de uma maioria política à esquerda. Em todo o caso, não há razão nenhuma para não se olhar para as condições objectivas da convergência. Ler as “teses” para o XVIII congresso do PCP, que se vai realizar no próximo mês, é um bom exercício e também a melhor prova da impossibilidade absoluta de convergência política entre partidos de esquerda com a participação dos comunistas. Até porque, citando o próprio PCP, “a social-democracia [...] está cada vez mais comprometida com o grande capital e as mais reaccionárias e agressivas políticas do imperialismo”.
Entusiasmado pelo arrefecimento do seu declínio eleitoral e pelas alterações na economia política internacional, o PCP vive hoje uma nova fase. Se nas duas últimas décadas os comunistas portugueses aparentavam ter vivido à defesa na sua singular ortodoxia, hoje, não há dúvida, vislumbram nos sinais dos tempos uma nova esperança para o renascer do movimento comunista internacional – “as leis fundamentais da reprodução do capital formuladas por Marx e Engels revelam-se de uma flagrante actualidade”. E, nestes novos tempos, o PCP aparenta considerar-se um farol que indica o caminho do regresso do comunismo – “constitui, na actualidade, uma possibilidade real cada vez mais necessária e urgente”. É neste contexto que devem ser lidas as “teses”, nomeadamente no que tem a ver com política internacional.
Sempre com o pretexto do combate ao “imperialismo” (“a validade das teses de Lenine sobre o imperialismo), regressa em força o anti-europeísmo ( “a União Europeia é, no actual quadro internacional, um pólo imperialista orientado para o aumento da exploração e do intervencionismo agressivo”), abrindo-se mesmo a possibilidade de “desvinculação” da UE, a Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) é vista como um “instrumento da cavalgada do imperialismo para Leste desencadeada após a desagregação da URSS” e, claro, lá está a invariável defesa da saída de Portugal da NATO, uma “polícia de choque do imperialismo”.
Lidas as teses, fica, no entanto, a dúvida se o mais chocante são as referências ao “papel de resistência à “nova ordem” imperialista” dos países que definem como “orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista – Cuba, China, Vietname, Laos e R.D.P. da Coreia” ou, pelo contrário, a nostalgia despudorada da U.R.S.S – “a contribuição da URSS e, posteriormente, do campo dos países socialistas, para os grandes avanços de civilização verificados no século XX foi gigantesca”. Até porque ficamos a saber que “a caminhada da humanidade para o socialismo e o comunismo sofreu profundos reveses no findar do século com a destruição da URSS e as derrotas do socialismo no Leste da Europa”.
As “teses” do PCP ao seu XVIII poderiam ser vistas como uma peça cómica, resultado do carácter excêntrico do partido português. Contudo, têm uma dimensão claramente trágica. Se são para ser lidas e levadas a sério, são a prova cabal da impossibilidade de criar condições para a governabilidade entre os partidos de esquerda. Até porque, imagina-se, para o PCP, um Governo saído de um parlamento eleito deve ser pouco mais do que um exemplo desprezível do funcionamento da democracia burguesa. De facto, isto não está escrito nas “teses”, mas é a única conclusão possível de retirar da sua leitura.
publicado no Diário Económico.
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