A cooperação táctica
Logo na apresentação do seu manifesto eleitoral, Cavaco Silva sublinhava que “as ambições de um Presidente da República não devem estar estritamente limitadas pelo horizonte temporal do seu mandato. Portugal precisa que a acção política não seja refém das ilusões dos benefícios de curto prazo e se desenvolva com sentido de futuro”. Ficava assim definida a cooperação estratégica entre Presidência e executivo, assente numa convergência, quer quanto aos objectivos políticos para o país, quer quanto aos meios para os alcançar.
Como bem assinalava João Cardoso Rosas num artigo no Diário Económico a semana passada, alguma coisa terá mudado para que a ideia de cooperação estratégica com o Governo – o alfa e o ómega da identidade política de Cavaco Silva Presidente – tenha (numa leitura benévola) passado a coabitar com a cooperação com o PSD. Afinal, longe vão os tempos em que o Governo em peso se deslocava entusiasmado a Belém para saudar o Presidente na quadra natalícia ou em que Cavaco Silva se multiplicava em apoios quase incondicionais ao executivo (basta recordar uma entrevista na SIC Notícias a Maria João Avillez). Ora, considerando que tudo o resto se manteve igual, a variável explicativa para este novo posicionamento do PR só pode ser a mudança de liderança do PSD.
Enquanto o PSD teve líderes em dissonância com Cavaco Silva, o Presidente assentou o essencial da sua acção na cooperação estratégica com o Governo. Uma vez resolvida a questão interna do maior partido da oposição, a sensação que fica é que o que antes era estratégico acabou por se revelar apenas táctico. Acontece que, como revelam experiências anteriores, a tentação dos Presidentes para tutelarem desde Belém os seus espaços políticos tende a redundar em fracasso: por um lado, porque, enquanto torna indistintos os lugares de Presidente e de líder da oposição, diminui a níveis intoleráveis o espaço de manobra da oposição e, por outro, porque reduz significativamente a capacidade presidencial de influenciar, de facto, o Governo.
Mas quando se tornam crescentes os sinais de que há uma convergência entre PR e liderança do PSD, que a prazo acabará por fragilizar ambas as partes, consolida-se também o perfil do exercício presidencial de Cavaco Silva.
Ao contrário dos presidentes civis anteriores, Cavaco Silva não tem optado por ser um Presidente preocupado com os direitos, liberdades e garantias. O que em Portugal continua a ser uma necessidade demasiadamente premente. A este propósito basta recordar o veto presidencial à nova lei de responsabilidade extracontratual do Estado. Um veto revelador de uma visão que secundariza as garantias dos cidadãos perante casos de arbitrariedade e incompetência dos poderes públicos. Ou, ainda a forma suave como Belém se posicionou perante a possibilidade de introduzir ‘chips’ identificadores nas matrículas dos automóveis. Já para não referir a intervenção presidencial ao nível da conversa de café sobre os crimes ocorridos nas últimas semanas.
Cavaco Silva também não tem funcionado como válvula de escape do sistema para acomodar a contestação social. Perante o mal-estar difuso que se vai sentindo no país, o enquadramento institucional da contestação podia ser, de facto, estratégico e até benéfico para aumentar as condições de governabilidade. Mas, infelizmente, o Presidente parece fazer parte do grupo dos que consideram que, nomeadamente, os sindicatos são uma excrescência política do passado e se encontram toldados por uma visão míope para o futuro do país.
No entanto, há uma área onde o Presidente tem feito ouvir de modo sistemático a sua voz: os temas de costumes. Desde o veto à lei da paridade com que inaugurou os vetos presidenciais até ao mais recente veto à lei do divórcio, Cavaco Silva colocou-se invariavelmente numa posição socialmente conservadora, desajustada face aos tempos. E aí os sinais de convergência com Ferreira Leite são, mais uma vez, evidentes.
Encostado à direita nos temas de costumes, não assumindo o papel de interlocutor da contestação social, secundarizando os temas dos direitos e garantias e pairando como sombra tutelar da nova liderança do PSD, os riscos de não alargamento da base de apoio do Presidente são manifestos (e recorde-se que foi eleito apenas com 50% dos votos). O que, se nada mais, pode criar incentivos para que as próximas presidenciais, ao contrário do que seria expectável, possam ser competitivas.
publicado no Diário Económico.
Como bem assinalava João Cardoso Rosas num artigo no Diário Económico a semana passada, alguma coisa terá mudado para que a ideia de cooperação estratégica com o Governo – o alfa e o ómega da identidade política de Cavaco Silva Presidente – tenha (numa leitura benévola) passado a coabitar com a cooperação com o PSD. Afinal, longe vão os tempos em que o Governo em peso se deslocava entusiasmado a Belém para saudar o Presidente na quadra natalícia ou em que Cavaco Silva se multiplicava em apoios quase incondicionais ao executivo (basta recordar uma entrevista na SIC Notícias a Maria João Avillez). Ora, considerando que tudo o resto se manteve igual, a variável explicativa para este novo posicionamento do PR só pode ser a mudança de liderança do PSD.
Enquanto o PSD teve líderes em dissonância com Cavaco Silva, o Presidente assentou o essencial da sua acção na cooperação estratégica com o Governo. Uma vez resolvida a questão interna do maior partido da oposição, a sensação que fica é que o que antes era estratégico acabou por se revelar apenas táctico. Acontece que, como revelam experiências anteriores, a tentação dos Presidentes para tutelarem desde Belém os seus espaços políticos tende a redundar em fracasso: por um lado, porque, enquanto torna indistintos os lugares de Presidente e de líder da oposição, diminui a níveis intoleráveis o espaço de manobra da oposição e, por outro, porque reduz significativamente a capacidade presidencial de influenciar, de facto, o Governo.
Mas quando se tornam crescentes os sinais de que há uma convergência entre PR e liderança do PSD, que a prazo acabará por fragilizar ambas as partes, consolida-se também o perfil do exercício presidencial de Cavaco Silva.
Ao contrário dos presidentes civis anteriores, Cavaco Silva não tem optado por ser um Presidente preocupado com os direitos, liberdades e garantias. O que em Portugal continua a ser uma necessidade demasiadamente premente. A este propósito basta recordar o veto presidencial à nova lei de responsabilidade extracontratual do Estado. Um veto revelador de uma visão que secundariza as garantias dos cidadãos perante casos de arbitrariedade e incompetência dos poderes públicos. Ou, ainda a forma suave como Belém se posicionou perante a possibilidade de introduzir ‘chips’ identificadores nas matrículas dos automóveis. Já para não referir a intervenção presidencial ao nível da conversa de café sobre os crimes ocorridos nas últimas semanas.
Cavaco Silva também não tem funcionado como válvula de escape do sistema para acomodar a contestação social. Perante o mal-estar difuso que se vai sentindo no país, o enquadramento institucional da contestação podia ser, de facto, estratégico e até benéfico para aumentar as condições de governabilidade. Mas, infelizmente, o Presidente parece fazer parte do grupo dos que consideram que, nomeadamente, os sindicatos são uma excrescência política do passado e se encontram toldados por uma visão míope para o futuro do país.
No entanto, há uma área onde o Presidente tem feito ouvir de modo sistemático a sua voz: os temas de costumes. Desde o veto à lei da paridade com que inaugurou os vetos presidenciais até ao mais recente veto à lei do divórcio, Cavaco Silva colocou-se invariavelmente numa posição socialmente conservadora, desajustada face aos tempos. E aí os sinais de convergência com Ferreira Leite são, mais uma vez, evidentes.
Encostado à direita nos temas de costumes, não assumindo o papel de interlocutor da contestação social, secundarizando os temas dos direitos e garantias e pairando como sombra tutelar da nova liderança do PSD, os riscos de não alargamento da base de apoio do Presidente são manifestos (e recorde-se que foi eleito apenas com 50% dos votos). O que, se nada mais, pode criar incentivos para que as próximas presidenciais, ao contrário do que seria expectável, possam ser competitivas.
publicado no Diário Económico.
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