O dilema do Pontal
Deveria Manuela Ferreira Leite ir ou não à festa que o PSD Algarve organiza todos os anos? Esta decisão ocupou a agenda do PSD durante Agosto. Aparentemente irrelevante, ela remete, contudo, para questões centrais da actividade política, designadamente para a tensão permanente entre partidos de eleitores e de militantes. Podem os partidos de poder deixar de ser também partidos de massas? Pode uma liderança na oposição afirmar-se sem mobilizar permanentemente a sua base interna? Poderá o perfil do líder determinar de modo absoluto o tipo de liderança? Ao contrário do que o discurso dominante tende a afirmar, da resposta a estas questões continua a depender o sucesso das lideranças.
Apesar do declínio generalizado da mobilização partidária, os momentos de massas continuam a ser fundamentais e a sua persistência não resulta apenas de fazerem parte de rotinas instaladas. São também ocasiões importantes para a socialização e para a promoção da coesão internas e servem para dar um sinal de força para fora. E, claro, dão palco ao discurso político. Necessidades prementes quando os partidos estão na oposição.
Ora, o PSD lidera a oposição em condições particularmente adversas. Por um lado porque o PS governa com maioria absoluta e, por outro, porque, depois de um período de instabilidade interna, Ferreira Leite acabou por ser eleita apenas com o voto de um terço dos militantes. Perante este cenário, a fórmula tradicional para a afirmação de uma liderança avisaria a que fossem estabelecidas pontes com os sectores derrotados. Ou seja, que se conquistasse o partido de militantes para depois conquistar os eleitores. A estratégia de Ferreira Leite parece assentar numa negação desta fórmula. Uma estratégia de risco que, pelo seu carácter peregrino, ou se revelará uma jogada de mestre ou redundará num monumental ‘flop’.
A história do PSD mostra, contudo, que o partido foi mais forte nos momentos em que foi capaz de fazer coexistir as suas várias tendências internas: as elites liberais, os tecnocratas e as bases mais populares. Os comícios são ocasiões propícias a este tipo de afirmação simbólica. Ferreira Leite, como prova a recusa em participar na festa do Pontal, optou claramente por secundarizar o papel dos momentos populares para a afirmação da sua liderança.
Esta estratégia não deixará de ter consequências no médio prazo. Desde logo, quando necessitar de criar momentos de massas, que continuam a ser essenciais em campanha eleitoral, dificilmente poderá contar com o apoio das bases que agora se viram rejeitadas. Mas os sinais imediatos são também preocupantes.
A gestão de silêncios em que Ferreira Leite se tem especializado tem permitido que o Governo e as restantes oposições ocupem o espaço político, ao mesmo tempo que deixa os militantes do PSD órfãos de discurso. Se faz todo o sentido que um partido na oposição opte por não marcar quotidianamente a acção do Governo, custa perceber como é que em relação a temas centrais o silêncio é a regra. Talvez o exemplo mais flagrante disto seja a ausência de posição do PSD em relação ao Código do Trabalho.
São aliás já visíveis dois efeitos desta estratégia. Em primeiro lugar, uma vez disseminada a percepção de que Ferreira Leite não diz nada, mesmo quando fala, continua a ser acusada de nada dizer. Em segundo lugar, uma gestão de expectativas com a qual se torna difícil conviver. O voto de silêncio de Ferreira Leite no último mês faz com que as expectativas em relação ao que vai dizer quando voltar a falar sejam imensas. Expectativas que, tendo em conta as condições estruturalmente precárias em que é exercida a oposição em Portugal, dificilmente poderão ser correspondidas. Aliás, num exemplo claro de ‘friendly fire’, criou-se a ideia que o silêncio de Ferreira Leite é uma táctica para carregar baterias para a discussão do Orçamento de Estado. Como se um partido na oposição tivesse condições para discutir, de igual para igual, o OE com o Governo.
Percebe-se bem o dilema que enfrenta a afirmação da nova liderança do PSD. Ao mesmo tempo que precisa de contrariar a imagem que se colou ao partido nos últimos anos, retomando uma trajectória de credibilidade e falando para os eleitores, necessita também de assegurar a solidez interna, reforçando a legitimidade perante os militantes. Para Ferreira Leite, aparentemente, estes objectivos são contraditórios, pelo que optou por privilegiar os eleitores em detrimento dos militantes. Resta saber se não estará a levar longe de mais a sua opção, numa atitude que, não por acaso, é simétrica à do seu antecessor.
publicado no Diário Económico.
Apesar do declínio generalizado da mobilização partidária, os momentos de massas continuam a ser fundamentais e a sua persistência não resulta apenas de fazerem parte de rotinas instaladas. São também ocasiões importantes para a socialização e para a promoção da coesão internas e servem para dar um sinal de força para fora. E, claro, dão palco ao discurso político. Necessidades prementes quando os partidos estão na oposição.
Ora, o PSD lidera a oposição em condições particularmente adversas. Por um lado porque o PS governa com maioria absoluta e, por outro, porque, depois de um período de instabilidade interna, Ferreira Leite acabou por ser eleita apenas com o voto de um terço dos militantes. Perante este cenário, a fórmula tradicional para a afirmação de uma liderança avisaria a que fossem estabelecidas pontes com os sectores derrotados. Ou seja, que se conquistasse o partido de militantes para depois conquistar os eleitores. A estratégia de Ferreira Leite parece assentar numa negação desta fórmula. Uma estratégia de risco que, pelo seu carácter peregrino, ou se revelará uma jogada de mestre ou redundará num monumental ‘flop’.
A história do PSD mostra, contudo, que o partido foi mais forte nos momentos em que foi capaz de fazer coexistir as suas várias tendências internas: as elites liberais, os tecnocratas e as bases mais populares. Os comícios são ocasiões propícias a este tipo de afirmação simbólica. Ferreira Leite, como prova a recusa em participar na festa do Pontal, optou claramente por secundarizar o papel dos momentos populares para a afirmação da sua liderança.
Esta estratégia não deixará de ter consequências no médio prazo. Desde logo, quando necessitar de criar momentos de massas, que continuam a ser essenciais em campanha eleitoral, dificilmente poderá contar com o apoio das bases que agora se viram rejeitadas. Mas os sinais imediatos são também preocupantes.
A gestão de silêncios em que Ferreira Leite se tem especializado tem permitido que o Governo e as restantes oposições ocupem o espaço político, ao mesmo tempo que deixa os militantes do PSD órfãos de discurso. Se faz todo o sentido que um partido na oposição opte por não marcar quotidianamente a acção do Governo, custa perceber como é que em relação a temas centrais o silêncio é a regra. Talvez o exemplo mais flagrante disto seja a ausência de posição do PSD em relação ao Código do Trabalho.
São aliás já visíveis dois efeitos desta estratégia. Em primeiro lugar, uma vez disseminada a percepção de que Ferreira Leite não diz nada, mesmo quando fala, continua a ser acusada de nada dizer. Em segundo lugar, uma gestão de expectativas com a qual se torna difícil conviver. O voto de silêncio de Ferreira Leite no último mês faz com que as expectativas em relação ao que vai dizer quando voltar a falar sejam imensas. Expectativas que, tendo em conta as condições estruturalmente precárias em que é exercida a oposição em Portugal, dificilmente poderão ser correspondidas. Aliás, num exemplo claro de ‘friendly fire’, criou-se a ideia que o silêncio de Ferreira Leite é uma táctica para carregar baterias para a discussão do Orçamento de Estado. Como se um partido na oposição tivesse condições para discutir, de igual para igual, o OE com o Governo.
Percebe-se bem o dilema que enfrenta a afirmação da nova liderança do PSD. Ao mesmo tempo que precisa de contrariar a imagem que se colou ao partido nos últimos anos, retomando uma trajectória de credibilidade e falando para os eleitores, necessita também de assegurar a solidez interna, reforçando a legitimidade perante os militantes. Para Ferreira Leite, aparentemente, estes objectivos são contraditórios, pelo que optou por privilegiar os eleitores em detrimento dos militantes. Resta saber se não estará a levar longe de mais a sua opção, numa atitude que, não por acaso, é simétrica à do seu antecessor.
publicado no Diário Económico.
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