Falar mentira
A declaração do Presidente da República sublinhando que é preciso falar verdade aos portugueses tem sido recebida com grande entusiasmo. Como se no meio de uma classe política contaminada por um surto de irrealismo, Cavaco Silva fosse o garante único da relação adequada entre realidade e discurso político. A ideia não é nova. Ainda durante a campanha presidencial, Cavaco Silva já havia afirmado que “duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar”. Aparentemente, para o Presidente, a política é uma disputa pela definição positivista de soluções, baseadas em diagnósticos desprovidos de juízos de valor.
Há naturalmente uma versão da “verdade” de que a política necessita como pão para a boca para garantir a sua credibilidade: evitar as promessas que são feitas para não serem cumpridas ou que são colocadas dentro da gaveta do esquecimento à primeira oportunidade. Mas a verdade que decorre do discurso de Cavaco Silva não é apenas isso: assenta antes na constatação de que há factos que não devem ser expostos a argumentos, pois são, em si, incontestáveis.
Desse ponto de vista, o que precisamos é de políticos que interpretem os factos. Que defendam a sua “mentira”: uma visão alternativa da realidade, apontando soluções contrastantes e definidoras de projectos políticos. Por estranho que possa parecer, a mentira fará mais pela credibilidade da política do que a verdade, pois é dela que depende a diferenciação e a possibilidade de escolhas. Basta pensar nas respostas à crise.
O Presidente tem chamado a atenção para os níveis de endividamento externo e o modo como estes comprometem o futuro do País. Ninguém discordará da dimensão do problema, ainda que possa haver dissensão quanto à sua natureza. Mas há assinalável discórdia sobre a prioridade a dar ao tema em 2009. Não há uma verdade insofismável sobre o que fazer quanto ao endividamento externo. Enquanto o Presidente insiste no tema, por exemplo, Vítor Constâncio, na nota introdutória ao Boletim de Inverno, distancia-se da “verdade” presidencial. A “mentira” de Constâncio é bem diferente da “verdade” de Cavaco, quando afirma que, “no curto prazo, conter mais o crescimento do endividamento externo implicaria o agravamento da recessão, que não seria aceitável face aos riscos de desemprego e perda de rendimento que implica. A prioridade da política económica em todos os países consiste agora (...) em adoptar políticas expansionistas.” Aos olhos do Presidente, imagino que seja uma “mentira”. Mas parece-me uma boa “mentira”, porque serve para demonstrar que contra factos há argumentos e é de argumentos que a política precisa – em especial, a política económica num contexto de crise profunda.
publicado no Semanário Económico.
Há naturalmente uma versão da “verdade” de que a política necessita como pão para a boca para garantir a sua credibilidade: evitar as promessas que são feitas para não serem cumpridas ou que são colocadas dentro da gaveta do esquecimento à primeira oportunidade. Mas a verdade que decorre do discurso de Cavaco Silva não é apenas isso: assenta antes na constatação de que há factos que não devem ser expostos a argumentos, pois são, em si, incontestáveis.
Desse ponto de vista, o que precisamos é de políticos que interpretem os factos. Que defendam a sua “mentira”: uma visão alternativa da realidade, apontando soluções contrastantes e definidoras de projectos políticos. Por estranho que possa parecer, a mentira fará mais pela credibilidade da política do que a verdade, pois é dela que depende a diferenciação e a possibilidade de escolhas. Basta pensar nas respostas à crise.
O Presidente tem chamado a atenção para os níveis de endividamento externo e o modo como estes comprometem o futuro do País. Ninguém discordará da dimensão do problema, ainda que possa haver dissensão quanto à sua natureza. Mas há assinalável discórdia sobre a prioridade a dar ao tema em 2009. Não há uma verdade insofismável sobre o que fazer quanto ao endividamento externo. Enquanto o Presidente insiste no tema, por exemplo, Vítor Constâncio, na nota introdutória ao Boletim de Inverno, distancia-se da “verdade” presidencial. A “mentira” de Constâncio é bem diferente da “verdade” de Cavaco, quando afirma que, “no curto prazo, conter mais o crescimento do endividamento externo implicaria o agravamento da recessão, que não seria aceitável face aos riscos de desemprego e perda de rendimento que implica. A prioridade da política económica em todos os países consiste agora (...) em adoptar políticas expansionistas.” Aos olhos do Presidente, imagino que seja uma “mentira”. Mas parece-me uma boa “mentira”, porque serve para demonstrar que contra factos há argumentos e é de argumentos que a política precisa – em especial, a política económica num contexto de crise profunda.
publicado no Semanário Económico.
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