Os trabalhos de Obama
Inspirado na carta que John Maynard Keynes dirigiu a Franklin D. Roosevelt aquando da sua eleição, Paul Krugman escreveu uma carta aberta a Barack Obama. Os paralelismos são evidentes: enfrentamos uma crise que só tem paralelo com a "grande depressão" e as expectativas depositadas na nova administração norte-americana são comparáveis com o que se esperava de FDR. Mas será o caminho a percorrer idêntico ao de Roosevelt? Sim e não, é a resposta de Krugman.
A dimensão dos trabalhos que Obama enfrenta é clara: uma catástrofe iminente no mercado de trabalho. Outros presidentes já enfrentaram situações económicas muito complexas, mas no passado o essencial da gestão das respostas não dependia das administrações. Como recorda Krugman, nos últimos cinquenta anos a gestão macro-económica foi independente de quem ocupava a Casa Branca. Os sucessos e os insucessos dependeram no essencial do grupo de tecnocratas que dominou a Reserva Federal. A dimensão do falhanço de mercados que hoje enfrentamos, não só coloca apenas em causa a autonomia do Fed (e de instituições congéneres), como lhe retira legitimidade para enfrentar os problemas actuais.
Além do mais, os últimos meses têm revelado a ineficiência do Fed no uso de um dos instrumentos típicos de resposta às recessões: a baixa das taxas de juro. Neste momento, já se encontram próximas do zero e o recurso ao crédito continua muito baixo. Mais, com o clima depressivo e a ausência de confiança, a propensão ao consumo é mínima e as famílias que têm algum rendimento disponível inclinam-se para a poupança. O corolário para Krugman é claro: não é realista que possa ser o Fed a contrariar o afundar da economia norte-americana. A resposta depende da Presidência.
O que nos leva ao exemplo de FDR. Para Krugman, Obama tem de aprender com os sucessos, mas, também, com os falhanços do New Deal.
Primeiro o que correu bem. Então, como agora, o primeiro passo é estabilizar o sistema financeiro. Em 1935, o Governo detinha cerca de um terço do sistema bancário, tendo usado essa posição para garantir que os bancos colocavam de facto o dinheiro das ajudas públicas ao serviço da economia. O New Deal assentou também na garantia de que quem tinha habitação própria podia manter as casas, designadamente através da reestruturação dos empréstimos à habitação. Também hoje é essencial apoiar as despesas com empréstimos à habitação.
Depois, o que correu mal. Por estranho que possa parecer, o problema do New Deal foi a criação de emprego. Para Krugman, o programa de empregos lançado por FDR não foi nem suficientemente grande, nem sustentado. Quando a economia se encontra em profunda depressão, há que colocar as preocupações com os défices orçamentais de lado. Roosevelt nunca conseguiu fazê-lo, adoptando uma política cautelosa. Com as empresas e os consumidores a cortarem drasticamente na despesa, a economia enfrenta uma diminuição brutal da procura, que só pode levar a uma queda violenta no emprego. Neste momento, só o Estado pode impedir esta trajectória. Como? Ocupando o vazio deixado pela retracção do sector privado, aumentando a despesa pública e apoiando o emprego. Krugman alerta que gastos desta dimensão, numa altura em que a receita fiscal só pode diminuir, irão produzir um desequilíbrio orçamental assustador. A alternativa é um aumento exponencial do desemprego, que acarretará níveis de perturbação política com consequências imprevisíveis e que empurrará grandes franjas da classe média para a pobreza.
Há contudo uma mensagem final que Krugman deixa a Obama. Salvar a economia deve ser a principal prioridade, mas, não menos importante, é preciso criar um serviço nacional de saúde. O acesso adequado de todos a cuidados de saúde desempenhará nesta administração o papel que a criação da segurança social pública desempenhou no New Deal. Após décadas de proselitismo ideológico que deslegitimou o papel das políticas públicas, do sucesso desta iniciativa dependerá a capacidade para provar que o Governo pode servir o interesse comum, o que representará uma mudança no pêndulo político norte-americano numa direcção progressista.
Quando a Europa revela uma timidez assustadora perante a dimensão dos problemas que enfrentamos, mais uma vez resulta claro que devemos esperar da nova administração norte-americana o desbravar do caminho para superar a actual crise. Um caminho que, como sugere Krugman, não depende de uma sucessão de pequenos ajustamentos, mas sim da capacidade de repensar profundamente as instituições, políticas e regras que nos trouxeram até aqui. É por isso que precisamos de um novo Keynes e de um novo Roosevelt, mais do que regressar a Keynes e a Roosevelt.
publicado no Diário Económico.
A dimensão dos trabalhos que Obama enfrenta é clara: uma catástrofe iminente no mercado de trabalho. Outros presidentes já enfrentaram situações económicas muito complexas, mas no passado o essencial da gestão das respostas não dependia das administrações. Como recorda Krugman, nos últimos cinquenta anos a gestão macro-económica foi independente de quem ocupava a Casa Branca. Os sucessos e os insucessos dependeram no essencial do grupo de tecnocratas que dominou a Reserva Federal. A dimensão do falhanço de mercados que hoje enfrentamos, não só coloca apenas em causa a autonomia do Fed (e de instituições congéneres), como lhe retira legitimidade para enfrentar os problemas actuais.
Além do mais, os últimos meses têm revelado a ineficiência do Fed no uso de um dos instrumentos típicos de resposta às recessões: a baixa das taxas de juro. Neste momento, já se encontram próximas do zero e o recurso ao crédito continua muito baixo. Mais, com o clima depressivo e a ausência de confiança, a propensão ao consumo é mínima e as famílias que têm algum rendimento disponível inclinam-se para a poupança. O corolário para Krugman é claro: não é realista que possa ser o Fed a contrariar o afundar da economia norte-americana. A resposta depende da Presidência.
O que nos leva ao exemplo de FDR. Para Krugman, Obama tem de aprender com os sucessos, mas, também, com os falhanços do New Deal.
Primeiro o que correu bem. Então, como agora, o primeiro passo é estabilizar o sistema financeiro. Em 1935, o Governo detinha cerca de um terço do sistema bancário, tendo usado essa posição para garantir que os bancos colocavam de facto o dinheiro das ajudas públicas ao serviço da economia. O New Deal assentou também na garantia de que quem tinha habitação própria podia manter as casas, designadamente através da reestruturação dos empréstimos à habitação. Também hoje é essencial apoiar as despesas com empréstimos à habitação.
Depois, o que correu mal. Por estranho que possa parecer, o problema do New Deal foi a criação de emprego. Para Krugman, o programa de empregos lançado por FDR não foi nem suficientemente grande, nem sustentado. Quando a economia se encontra em profunda depressão, há que colocar as preocupações com os défices orçamentais de lado. Roosevelt nunca conseguiu fazê-lo, adoptando uma política cautelosa. Com as empresas e os consumidores a cortarem drasticamente na despesa, a economia enfrenta uma diminuição brutal da procura, que só pode levar a uma queda violenta no emprego. Neste momento, só o Estado pode impedir esta trajectória. Como? Ocupando o vazio deixado pela retracção do sector privado, aumentando a despesa pública e apoiando o emprego. Krugman alerta que gastos desta dimensão, numa altura em que a receita fiscal só pode diminuir, irão produzir um desequilíbrio orçamental assustador. A alternativa é um aumento exponencial do desemprego, que acarretará níveis de perturbação política com consequências imprevisíveis e que empurrará grandes franjas da classe média para a pobreza.
Há contudo uma mensagem final que Krugman deixa a Obama. Salvar a economia deve ser a principal prioridade, mas, não menos importante, é preciso criar um serviço nacional de saúde. O acesso adequado de todos a cuidados de saúde desempenhará nesta administração o papel que a criação da segurança social pública desempenhou no New Deal. Após décadas de proselitismo ideológico que deslegitimou o papel das políticas públicas, do sucesso desta iniciativa dependerá a capacidade para provar que o Governo pode servir o interesse comum, o que representará uma mudança no pêndulo político norte-americano numa direcção progressista.
Quando a Europa revela uma timidez assustadora perante a dimensão dos problemas que enfrentamos, mais uma vez resulta claro que devemos esperar da nova administração norte-americana o desbravar do caminho para superar a actual crise. Um caminho que, como sugere Krugman, não depende de uma sucessão de pequenos ajustamentos, mas sim da capacidade de repensar profundamente as instituições, políticas e regras que nos trouxeram até aqui. É por isso que precisamos de um novo Keynes e de um novo Roosevelt, mais do que regressar a Keynes e a Roosevelt.
publicado no Diário Económico.
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