sexta-feira, abril 30, 2010

a culpa é do mordomo

Culpar o mordomo é a forma fácil de responsabilizar alguém quando não se encontra o criminoso. Grécia e Portugal são os mordomos desta crise. Mas, assim que os mordomos de hoje forem suficiente- mente fustigados, a função será diligentemente desempenhada por outros Estados - Espanha é o mordomo que se segue. Isto não quer dizer que Portugal não partilhe culpas pela situação em que se encontra. Mas, uma coisa são erros cometidos nos ajustamentos que eram necessários para a integração económica e para a moeda única, outra são as responsabilidades morais e materiais no eclodir da crise financeira que agora provoca ondas de choque assimétricas na zona euro. Não deixa de ser sintomático que tenhamos hoje, ano e meio passado sobre o início da crise, de recordar que os défices excessivos e o crescimento do endividamento não são fruto da desorientação política dos governos nacionais, mas sim consequência do resgate do desvario financeiro. Encontramo-nos no pior dos mundos: temos os erros na formação do euro (da sobrevalorização cambial a uma política comercial que prejudicou objectivamente os países da coesão, enquanto reforçava as economias com balanças comerciais, à partida mais favoráveis, passando pela ausência de uma política fiscal comum) combinados com uma total ausência de capacidade política europeia para os enfrentar; por outro lado, temos um conjunto de Estados que têm de fazer ajustes que não fizeram no passado, mas cuja capacidade para os fazer sem respaldo europeu é nula e teria resultados ineficazes. Perante a dimensão dos problemas, só resta culpar os mordomos.
publicado hoje no i.

sábado, abril 24, 2010

Os deputados polícias

Dois meses passados, Rui Pedro Soares vestiu finalmente o papel de Oliver North que lhe estava destinado: pediu desculpa ao primeiro-ministro e alegou ter invocado o seu nome em vão. Depois calou-se. O PS, que dias antes tinha criticado um "jornalista" por se escudar no sigilo profissional, condescendeu. O episódio foi apenas mais um sinal de que o Parlamento se está a transformar e, pelo caminho, a degradar. Quando chegarem ao fim os trabalhos da comissão de inquérito ao "negócio" PT/TVI não estaremos mais próximos da verdade e o Parlamento sairá ainda mais fragilizado. Bem tem avisado Mota Amaral que os deputados não estão num tribunal e que os interrogatórios intermináveis são uma coisa de outro tempo. Os avisos caem em saco roto. Os deputados polícias vieram para ficar e com eles as investigações parajudiciais, sem meios, sem formação, sem possibilidade de defesa, tudo servido em directo online. Onde antes havia actividade legislativa e se fiscalizava a acção do governo, agora temos o milagre da multiplicação das CPI e a verdade apurada na confrontação entre notícias de jornais. Se da justiça devemos esperar uma atitude cega à partida e convicções formadas com prova, nas CPI temos exactamente o contrário: convicções formadas desde o início que depois pescam provas à linha. Este é um daqueles casos que sabemos como começam, mas temo que também saibamos como acabam: numa imparável judicialização da vida política. Imagino que os senhores deputados se sintam muito confortáveis nas suas novas vestes policiais. É bom que se habituem. Doravante será assim.

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sexta-feira, abril 23, 2010

A diferença está no papel higiénico?

Depois de, no pec, o governo ter dito mata (congelamento de salários e prestações), a margem de manobra que restava ao PSD era curta. Pouco mais poderia fazer do que dizer esfola (redução nominal de salários e prestações). Descartada a "via Frasquilho", Passos Coelho, ainda assim, não hesitou em criar muita expectativa em torno de um PEC alternativo. Quarta-feira, depois de semanas e semanas de "agarra-me se não eu digo o que faria", lá ficámos a conhecer o milagre da consolidação orçamental passista. Uma redução da despesa em 1700 milhões, mesmo com a reposição dos benefícios fiscais. Tudo assente em cortes em pareceres, na utilização de software livre e na redução das despesas com comunicações. As sugestões só podem ter a resposta que Nick Clegg, o líder dos liberais-democratas britânicos, deu no debate da semana passada. Perante as propostas para disciplinar as contas públicas dos seus opositores, Clegg respondeu que o que sugeriam é que era possível poupar muito dinheiro cortando nos clips. No fundo, no caso português, o que Passos sugere é que a diferença do seu PEC estaria no papel higiénico. Mas como, mesmo que se acabasse com todo o papel higiénico, não se chegaria aos milhares de milhões necessários, só podemos desconfiar que há, de facto, outros lados onde se pretende cortar. Tudo indicia, aliás, que o essencial seriam cortes com aquisições e serviços na saúde. Os tais 3,5 mil milhões de euros também referidos. O problema é que estamos a falar, por exemplo, de medicamentos e meios de diagnóstico. O que revela que talvez o papel higiénico não passe de um biombo. Era mais sério dizer de facto ao que se vem.

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terça-feira, abril 20, 2010

Vai trabalhar, malandro

Durante três séculos, as ‘workhouses’ foram o instrumento central da resposta à pobreza no Reino Unido.

Com origem nas ‘poor laws' de 1601, eram instituições em que os pobres trocavam protecção por trabalho, simbolizando o apogeu da protecção social como controlo social e higiénico dos pobres. O regime das ‘workhouses' era conhecido pelo seu carácter punitivo, que tinha como objectivo desencorajar que os residentes as vissem como alternativa ao trabalho. Em 1930, o Governo britânico aboliu as ‘worhouses'. A decisão é usualmente vista como um marco na generalização dos direitos sociais de cidadania no mundo ocidental. Em Portugal, em 2010, o novo líder do maior partido da oposição escolheu como aspecto central da sua plataforma política o "tributo solidário", uma medida que, a ser levada a sério, reenvia-nos para o universo simbólico das ‘workhouses'.

Na formulação de Passos Coelho, com o tributo solidário "quem é ajudado pelo Estado deve retribuir essa benesse em trabalho social". A obrigação recai sobre os beneficiários do RSI e do subsídio de desemprego. A proposta consegue ser, ao mesmo tempo, politicamente errada e revelar desconhecimento sobre o funcionamento das medidas existentes. No fundo, o tributo solidário tem apenas um objectivo: explorar politicamente o ressentimento face aos beneficiários de prestações sociais.

A proposta ignora que os beneficiários de prestações não-contributivas já estão sujeitos a obrigações. Por exemplo, para ter direito ao RSI é preciso aceitar um programa de inserção que inclui o titular da prestação e o seu agregado familiar. Também para os desempregados carenciados existem, já há muito tempo, os contratos emprego-inserção (antigos POC), que assentam em tarefas socialmente úteis (por exemplo, em hospitais, nas autarquias ou nas escolas). Mas uma coisa é activar mais os beneficiários de prestações não-contributivas, outra, bem diferente, é transformar beneficiários de subsídio de desemprego num novo "exército industrial de reserva". O subsídio de desemprego é um seguro social. Quem o recebe é porque formou o direito. Se, por absurdo, colocássemos os beneficiários do subsídio de desemprego a prestar "tributos solidários" estaríamos também a retirar valor ao trabalho. Em Portugal, muito do emprego nos serviços é mal remunerado e tem funções sociais. Caso os beneficiários de prestações sociais competissem por essas funções, provocar-se-ia uma enorme pressão sobre os salários de muitos portugueses, colocando em risco os seus postos de trabalho.

No fim, não deixa de ser politicamente revelador que, numa altura em que o desemprego se encontra acima dos 10%, se sugira que a indolência dos desempregados também é responsável pelo que se passa no mercado de trabalho. Que se utilize a expressão solidário a este propósito deve ser visto como um exercício típico de novilíngua.

publicado hoje no Diário Económico.

sábado, abril 17, 2010

Liberdade de escolha

"Sem música, a vida seria um erro", escreveu Nietzsche. Eu acrescento que a educação sem música é um erro ainda maior. Lembrei-me disto quando vi um vídeo de um coro de uma escola pública norte-americana a cantar "Zebra", dos Beach House. O surpreendente não era nem o entusiasmo com que cantavam, nem as capacidades harmónicas. Nisso aquele coro não se distinguia dos de muitas escolas. O que surpreendia era que, em lugar das músicas infantilizadas, aqueles miúdos cantavam uma música adulta, apropriando-se dela com um olhar de criança. Vi nisso a diferença que existe entre a educação musical que tive e a que hoje é dominante. Tive a sorte de fazer a primária na ressaca do PREC, na melhor escola do mundo. As músicas que aprendi eram do Zeca, do Zé Mário Branco e do Fausto - que fez o melhor disco de MPP dos anos oitenta, precisamente sobre a "Peregrinação" do autor fantástico que dava nome à minha escola. Deixo de lado a natureza politizada da minha educação musical, o que importa é que nos ensinavam músicas adultas. Éramos tratados como crianças, mas não infantilizados. Há um tempo para tudo, mas eu temo que os meus filhos tenham uma educação musical infantilizada. Ou seja, há momentos em que sou favorável à liberdade de escolha na educação, tema que se tornou muito popular. Mas depois de ver aquele vídeo inclino-me decisivamente para a "política do gosto" e para a certeza de que a liberdade se garante na escola pública, com professores que mudam o mundo, dando a crianças de um contexto desfavorecido uma educação musical adulta, como em Staten Island, em New Jersey ou com a Orquestra Geração, no Casal da Boba, na Amadora.

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sexta-feira, abril 16, 2010

A cortina de fumo constitucional

Há um manual não escrito para a acção política em Portugal. O primeiro mandamento desse manual tem sido sobejamente posto em prática e reza assim: "Se quiseres marcar a agenda e não tiveres nenhuma outra forma de o fazer, propõe uma revisão constitucional". Passos Coelho, na esteira de Luís Filipe Menezes, foi o último a sacar a revisão constitucional da cartola. O efeito esperado foi produzido. Classe política, jornalistas e comentadores reagiram ao tema. Mas terão sido certamente os únicos a dedicar um segundo de atenção à proposta. Dificilmente se encontrará exemplo mais paradigmático da distância que vai entre as prioridades de quem gravita em torno da política e o resto do país. E este é um daqueles casos em que é o resto do país que tem razão. Desde logo porque, estando Portugal bloqueado económica e socialmente, infelizmente nenhum dos nossos problemas se resolve através da alteração, ainda que radical, de meia dúzia de artigos da Constituição. Antes assim fosse. A proposta de Passos Coelho aparenta ser, por isso, uma cortina de fumo para evitar explicitar propostas políticas que, não colidindo com o texto fundamental, chocam, contudo, com a vontade popular. Uma agenda privatizadora na saúde e na educação, colocada em termos programáticos revela um apelo que rapidamente se desvaneceria se traduzida em compromissos políticos concretos. É por isso que a revisão constitucional de Passos Coelho, tendo a virtude de trazer consigo um subtexto que clarificará ideologicamente o espectro partidário português, não passa de um truque para esconder uma agenda política.

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sábado, abril 10, 2010

Passos e Sócrates, a mesma luta

Passos Coelho encontra-se uma posição simétrica à de Sócrates, quando venceu as directas no PS. Como Sócrates, Passos teve uma maioria esmagadora, mas tem um problema de credibilidade externa que não é independente de défices na relação com as elites do partido e da sociedade civil. Sócrates resolveu o seu problema interno cooptando para a sua direcção muitos apoiantes de Alegre, que viriam a integrar o seu núcleo duro. Passos aparenta estar a fazer o mesmo, ao apresentar uma lista unitária para a direcção política do PSD. As semelhanças não acabam aqui. Passos terá, presumivelmente, em Pacheco Pereira o seu Manuel Alegre - uma voz crítica e isolada no grupo parlamentar, mas com muita notoriedade mediática. Mas unir o partido não basta, como Sócrates sabia em 2004. Passos precisa de ter uma ponte com a Presidência da República - uma alavanca decisiva para chegar ao poder - e de um tema mobilizador. Precisa de alguém que desempenhe o papel de António Costa e de encontrar o seu "choque tecnológico". No entanto, além da estratégia e da táctica, sobra a substância. Com a vitória de Passos, os dois principais partidos têm líderes que são produtos das estruturas partidárias, sem a credenciação social e intelectual que detinham os líderes do passado. Há quem veja nesta tendência um sintoma de empobrecimento da vida política portuguesa, mas pode dar-se o caso de estarmos apenas a aproximar-nos do padrão das democracias mais avançadas, nas quais a política é deixada a políticos profissionais. Podemos, de facto, estar a ficar iguais aos europeus mas com uma diferença que tem custos: saltámos várias etapas.

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sexta-feira, abril 09, 2010

o rei vai de submarino

Esta semana ficámos a saber que os portugueses confiam pouco. Não confiam quase nada no governo (apenas 27%), nem nos media (32%) ou nas empresas (34%). A nossa falta de confiança só se compara com o que se passa na Irlanda, e a situação é tal que confiamos muito mais nas multinacionais do que no que é português. O declínio na confiança é filho da depressão económica, mas é enteado do sentimento de que a corrupção se está a generalizar. Os submarinos são o último contributo para esta percepção. Sobre a sua aquisição há um conjunto de perguntas que, por mais que se procure, não se encontram respostas convincentes. Esta opacidade não é independente da cultura de secretismo que caracteriza ainda as instituições militares, em muitos domínios desnecessária. Enquanto no conjunto das políticas públicas se tem progredido na transparência da informação, a reserva mantém-se reduto intransponível na Defesa. Conforme se vão conhecendo justificações tímidas da necessidade dos submarinos e um pouco mais da nebulosa que foi o processo de aquisição, mais abalada fica a nossa confiança. A este propósito é elucidativa a entrevista do general Loureiro dos Santos ao "Diário Económico". Sobre a necessidade da aquisição diz-nos que "havia equipamentos de que as Forças Armadas necessitavam com mais prioridade - os patrulhões oceânicos, os navios antipoluição e os helicópteros", pois os submarinos respondem a uma ameaça de combate que não se põe no actual contexto estratégico; quanto às contrapartidas, "são artifícios para desequilibrar as opções para determinadas propostas". A percepção com que se fica é que o rei não vai nu, mas sim de submarino.
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terça-feira, abril 06, 2010

O que nasce torto

Seis legislaturas, sete Governos e onze ministros da defesa. Ao longo do tempo, a aquisição de submarinos foi aprovada por um extenso rol de responsáveis políticos e decidida por Paulo Portas.

Subitamente, uma notícia no Der Spiegel veio aclarar as mentes.

Haverá razões para que Portugal adquira submarinos. À cabeça, o controlo militar e, essencialmente, económico do nosso principal activo: o mar. Acontece que o "tridente" e o "arpão" são também a aquisição mais cara da democracia portuguesa (custam cerca de mil milhões de euros).

O problema é que sobre a necessidade militar dos submarinos conhecemos apenas justificações circulares e sabemos que a NATO classificou a aquisição como um "desperdício", já sobre o seu papel económico também pouco se sabe. Numa altura em que se exige uma análise "custo/benefício" para construir um viaduto pedonal, é estranho que, sempre que se coloca uma questão sobre submarinos, nada mais se encontre para além de respostas evasivas.

E é aqui que entram as responsabilidades políticas. Uma das obrigações primeiras de quem governa é esclarecer. Quando o tema são submarinos, assistimos a uma espécie de "passa ao outro e não ao mesmo". A este propósito, a reacção de Durão Barroso foi paradigmática. Confrontado com as notícias do Der Spiegel, não se inibiu de afirmar que não tinha tido "qualquer intervenção directa" no negócio, além da participação na decisão tomada colectivamente em Conselho de Ministros. No fundo, a maior aquisição da democracia portuguesa foi tratada como um decreto-lei do Ministério da Agricultura. Estamos, no mínimo, perante um caso de irresponsabilidade política. Durão Barroso afirmar que não teve "intervenção directa" no negócio dos submarinos é o mesmo que Sócrates dizer que não sabia do negócio PT/TVI, mas a uma escala radicalmente diferente. Não só está em causa um valor dez vezes superior, como, no primeiro caso, era um negócio do Estado; no segundo, entre privados, sendo que o Estado detinha apenas uma ‘golden share' na empresa compradora.

Mas uma coisa é o negócio em si, outra é a forma como foi feito. Se as razões para a aquisição dos submarinos estão longe da densidade que os valores em questão exigem, que dizer de todo o processo de compra? Da escolha do consórcio alemão, em lugar do francês, à negociação das contrapartidas, que não só têm uma execução muito baixa, como uma penalização por incumprimento que beneficia o infractor, passando pelo papel de intermediação da ESCOM, que custou milhões e cuja entrada no negócio coincide com uma alteração significativa no preço de compra, o que temos é uma densa nuvem de suspeitas.

Numa altura em que se banalizaram as comissões de inquérito, não deixa de ser surpreendente que o único tema que tem, de facto, relevância, não seja motivo de inquirição pelos deputados. Pensando bem, o tema das contrapartidas nos negócios militares é muito incómodo. No caso dos submarinos, sempre são sete Governos e onze ministros da defesa.

publicado no Diário Económico

sábado, abril 03, 2010

As fogueiras que ardem de novo

As fogueiras são sempre as mesmas, bem como as formas como são acendidas. Quem arde por estes dias não são bruxas, mas padres. É evidente que a Igreja Católica tem lidado com a pedofilia com os pés – o que não é independente nem do modo tendencialmente pecaminoso como o catolicismo olha para a sexualidade, nem da lamentável cultura de encobrimento com que gere os seus problemas. Mas uma coisa é a propensão para uma sexualidade imatura, resultado de um processo formativo em seminários e do celibato, ou a forma anacrónica como a instituição se procura, a todo o custo, proteger a si própria, em lugar de pedir publicamente desculpa; outra, bem diferente, é tornar todos os padres pedófilos potenciais. Não há aqui inocentes e os primeiros culpados são naturalmente os padres que comprovadamente – sublinho o comprovadamente – abusaram de crianças. Mas talvez não fosse má altura para parar para pensar. Desde logo, a hierarquia da Igreja Católica que, como sugeria António Marujo no Público, deveria ter uma “atitude purificadora e aberta à mudança”, de forma a recuperar a credibilidade perdida nesta crise. Mas, também, os media que fazem de qualquer padre acusado de pedofilia um condenado de facto, com cara e nome, para deleite das massas que assistem às fogueiras. Ainda esta semana, as televisões não se inibiram de exibir imagens de um padre do Porto indiciado – e apenas indiciado – por abusos sexuais. O que prova que mudam os tempos, mas as fogueiras continuam a arder como ardiam. Nós, não só cometemos sempre os mesmos erros, como somos incapazes de aprender com o passado. Quando era preciso uma “ressurreição”, escolhemos ficar agrilhoados.

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sexta-feira, abril 02, 2010

Vivemos todos num submarino

O País transformou-se num enorme submarino: passa grande parte do tempo submerso e quando vem à superfície é para mostrar, em todo o seu esplendor, a riqueza que “tem” e não só não pode ter como adquiriu de modo trôpego. Mas, de quando em vez, há boas notícias. Por força das revelações do Der Spiegel, ficámos a saber que o Governo admite denunciar as condições do contrato de compra do “Arpão” e do “Tridente” – uma espécie de atracções para fazerem companhia à “Amália” e ao “Eusébio” do Oceanário (a própria NATO classificou a aquisição como “desperdício). Nunca é tarde para se descobrir que os submarinos servem no essencial para nos afundar um pouco mais e que o negócio das contrapartidas é o chumbo que nos deixará presos ao fundo do mar. O propósito das contrapartidas parece mesmo ser só um: inflacionar o preço de compra e, pelo caminho, enganar uns quantos papalvos. Uma coisa é, por exemplo, adquirir material militar e negociar que a sua manutenção é garantidamente feita em Portugal; outra é adquirir submarinos e esperar que o consórcio que vende se empenhe em colocar produtos da indústria portuguesa no mercado alemão. O resultado só pode ser um: uma execução muito baixa e um risco elevado de lesar o Estado. Mas há sempre quem ganhe quando colectivamente nos afundamos. Diz muito, aliás, sobre o País, que o Parlamento ande entretido numa comissão de inquérito para saber se o primeiro-ministro tinha conhecimento de um negócio abortado entre privados e não se faça uma comissão de inquérito sobre as contrapartidas nos negócios militares, onde há indícios de fraudes que nos custam milhares de milhões.

publicado hoje no i.