sábado, abril 03, 2010

As fogueiras que ardem de novo

As fogueiras são sempre as mesmas, bem como as formas como são acendidas. Quem arde por estes dias não são bruxas, mas padres. É evidente que a Igreja Católica tem lidado com a pedofilia com os pés – o que não é independente nem do modo tendencialmente pecaminoso como o catolicismo olha para a sexualidade, nem da lamentável cultura de encobrimento com que gere os seus problemas. Mas uma coisa é a propensão para uma sexualidade imatura, resultado de um processo formativo em seminários e do celibato, ou a forma anacrónica como a instituição se procura, a todo o custo, proteger a si própria, em lugar de pedir publicamente desculpa; outra, bem diferente, é tornar todos os padres pedófilos potenciais. Não há aqui inocentes e os primeiros culpados são naturalmente os padres que comprovadamente – sublinho o comprovadamente – abusaram de crianças. Mas talvez não fosse má altura para parar para pensar. Desde logo, a hierarquia da Igreja Católica que, como sugeria António Marujo no Público, deveria ter uma “atitude purificadora e aberta à mudança”, de forma a recuperar a credibilidade perdida nesta crise. Mas, também, os media que fazem de qualquer padre acusado de pedofilia um condenado de facto, com cara e nome, para deleite das massas que assistem às fogueiras. Ainda esta semana, as televisões não se inibiram de exibir imagens de um padre do Porto indiciado – e apenas indiciado – por abusos sexuais. O que prova que mudam os tempos, mas as fogueiras continuam a arder como ardiam. Nós, não só cometemos sempre os mesmos erros, como somos incapazes de aprender com o passado. Quando era preciso uma “ressurreição”, escolhemos ficar agrilhoados.

publicado hoje no i.