A solução preguiçosa
O PEC foi apresentado como fazendo a quadratura do círculo: combinava a austeridade necessária com a equidade desejável. Quando se passou de 9 para 110 páginas, percebeu-se que não era bem assim.
Os instrumentos de equidade anunciados continuavam lá, mas era revelado que o maior contributo para a diminuição da despesa era dado pela diminuição das transferências do OE para a segurança social.
A poupança no regime não-contributivo (complemento solidário para idosos, abonos, subsídio social de desemprego e rendimento social de inserção) tem sido recebida com estupefacção. Há boas razões para isso: é precisamente numa altura de crise que a existência de uma rede de mínimos sociais é mais necessária e, no passado recente, o seu desenvolvimento foi um elemento central da modernização programática do PS (a nova geração de políticas sociais). Uma coisa é clara no PEC: a redução dos apoios sociais é ideologicamente errada e politicamente preguiçosa.
O peso das prestações sociais no PIB tem crescido, ao mesmo tempo que há um decréscimo do peso dos salários. Deixando de lado, o contributo da maturação do sistema de pensões, é evidente que há um problema. Mas o caminho seguido pelo Governo para o enfrentar é o errado.
Ao definir tectos para a despesa com o regime não-contributivo, o PEC revela uma intenção ideologicamente errada que tem consequências: acaba-se com o princípio de que as prestações de mínimos sociais são direitos de cidadania.
Mas, acima de tudo, o PEC opta pela solução politicamente preguiçosa dos cortes cegos. Não tem de ser necessariamente assim. Há dois caminhos possíveis para garantir uma rede de mínimos sociais com sustentabilidade financeira: encontram-se fontes de receita alternativas (subir de novo o IVA ou, por exemplo, introduzir já em 2010 a taxação das mais valias bolsistas) ou trabalha-se do lado da despesa, mas criteriosamente. O segundo caminho é preferível.
Há naturalmente ganhos de eficiência com o aumento da fiscalização, mas há outras possibilidades: densificar o conceito de "desemprego voluntário" (impedindo o acesso ao RSI e, de facto, ao subsídio de desemprego para quem vai voluntariamente para o desemprego); caminhar mais na diferenciação positiva dos abonos de família, que poderiam não ser recebidos por algumas famílias com rendimentos suficientes; fazer depender as prestações de desemprego da probabilidade de regressar ao mercado de trabalho (o que levaria a que os jovens tivessem ‘plafonds' inferiores, por exemplo, aos dos maiores de 45 anos); e garantir que as pensões com uma componente não contributiva são de facto sujeitas a prova de recursos.
No fundo, o que está em causa é escolher entre garantir a sustentabilidade de direitos ou, tomando o PEC à letra, fazer regressar a rede de mínimos sociais à lógica discricionária do passado.
publicado hoje no Diário Económico.
Os instrumentos de equidade anunciados continuavam lá, mas era revelado que o maior contributo para a diminuição da despesa era dado pela diminuição das transferências do OE para a segurança social.
A poupança no regime não-contributivo (complemento solidário para idosos, abonos, subsídio social de desemprego e rendimento social de inserção) tem sido recebida com estupefacção. Há boas razões para isso: é precisamente numa altura de crise que a existência de uma rede de mínimos sociais é mais necessária e, no passado recente, o seu desenvolvimento foi um elemento central da modernização programática do PS (a nova geração de políticas sociais). Uma coisa é clara no PEC: a redução dos apoios sociais é ideologicamente errada e politicamente preguiçosa.
O peso das prestações sociais no PIB tem crescido, ao mesmo tempo que há um decréscimo do peso dos salários. Deixando de lado, o contributo da maturação do sistema de pensões, é evidente que há um problema. Mas o caminho seguido pelo Governo para o enfrentar é o errado.
Ao definir tectos para a despesa com o regime não-contributivo, o PEC revela uma intenção ideologicamente errada que tem consequências: acaba-se com o princípio de que as prestações de mínimos sociais são direitos de cidadania.
Mas, acima de tudo, o PEC opta pela solução politicamente preguiçosa dos cortes cegos. Não tem de ser necessariamente assim. Há dois caminhos possíveis para garantir uma rede de mínimos sociais com sustentabilidade financeira: encontram-se fontes de receita alternativas (subir de novo o IVA ou, por exemplo, introduzir já em 2010 a taxação das mais valias bolsistas) ou trabalha-se do lado da despesa, mas criteriosamente. O segundo caminho é preferível.
Há naturalmente ganhos de eficiência com o aumento da fiscalização, mas há outras possibilidades: densificar o conceito de "desemprego voluntário" (impedindo o acesso ao RSI e, de facto, ao subsídio de desemprego para quem vai voluntariamente para o desemprego); caminhar mais na diferenciação positiva dos abonos de família, que poderiam não ser recebidos por algumas famílias com rendimentos suficientes; fazer depender as prestações de desemprego da probabilidade de regressar ao mercado de trabalho (o que levaria a que os jovens tivessem ‘plafonds' inferiores, por exemplo, aos dos maiores de 45 anos); e garantir que as pensões com uma componente não contributiva são de facto sujeitas a prova de recursos.
No fundo, o que está em causa é escolher entre garantir a sustentabilidade de direitos ou, tomando o PEC à letra, fazer regressar a rede de mínimos sociais à lógica discricionária do passado.
publicado hoje no Diário Económico.
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