sexta-feira, março 19, 2010

As pessoas no fim

O PEC tal como conhecido a semana passada combinava austeridade com equidade. Mas esta semana, conhecido na integralidade, emerge uma agenda que esteve escondida. Ao contrário do que parecia, quem vai sofrer mais com o PEC não são as classes médias, são os mais pobres. É dramático, mas o maior contributo para a diminuição da despesa é dado pela redução das transferências do Orçamento do Estado para a segurança social. Ou seja, as políticas que formam a rede de mínimos sociais verão o seu financiamento muito limitado (do complemento solidário para idosos ao subsídio social de desemprego, passando pelo rendimento social de inserção). Não falo do modo como esta opção contradiz o programa eleitoral com que o PS se apresentou às eleições, nem sequer do que esta escassez de recursos representará num país pobre como o nosso, quando o desemprego se manterá a níveis socialmente intoleráveis. O que está em causa é também uma questão de identidade partidária. Há muita falta de memória na política, mas não tanta que faça esquecer que, há perto de 20 anos, quando o PS, com António Guterres, redefiniu a sua linha programática, um dos eixos centrais desse aggiornamento foi a criação de uma rede de mínimos sociais, baseada em direitos de cidadania. No tempo em que os slogans políticos eram levados a sério, era o que queria dizer "as pessoas primeiro". Subitamente, numa terça-feira, o governo do PS vem limitar o financiamento dessa rede, mas acima de tudo cria um tecto administrativo ao que se propõe gastar. Em última análise acaba com uma lógica de direitos de cidadania e faz regressar a política de combate à pobreza aos apoios discricionários com que rompeu no passado. A mensagem é clara: as pessoas ficam para o fim.

publicado hoje no i.