O que nasce torto
Seis legislaturas, sete Governos e onze ministros da defesa. Ao longo do tempo, a aquisição de submarinos foi aprovada por um extenso rol de responsáveis políticos e decidida por Paulo Portas.
Subitamente, uma notícia no Der Spiegel veio aclarar as mentes.
Haverá razões para que Portugal adquira submarinos. À cabeça, o controlo militar e, essencialmente, económico do nosso principal activo: o mar. Acontece que o "tridente" e o "arpão" são também a aquisição mais cara da democracia portuguesa (custam cerca de mil milhões de euros).
O problema é que sobre a necessidade militar dos submarinos conhecemos apenas justificações circulares e sabemos que a NATO classificou a aquisição como um "desperdício", já sobre o seu papel económico também pouco se sabe. Numa altura em que se exige uma análise "custo/benefício" para construir um viaduto pedonal, é estranho que, sempre que se coloca uma questão sobre submarinos, nada mais se encontre para além de respostas evasivas.
E é aqui que entram as responsabilidades políticas. Uma das obrigações primeiras de quem governa é esclarecer. Quando o tema são submarinos, assistimos a uma espécie de "passa ao outro e não ao mesmo". A este propósito, a reacção de Durão Barroso foi paradigmática. Confrontado com as notícias do Der Spiegel, não se inibiu de afirmar que não tinha tido "qualquer intervenção directa" no negócio, além da participação na decisão tomada colectivamente em Conselho de Ministros. No fundo, a maior aquisição da democracia portuguesa foi tratada como um decreto-lei do Ministério da Agricultura. Estamos, no mínimo, perante um caso de irresponsabilidade política. Durão Barroso afirmar que não teve "intervenção directa" no negócio dos submarinos é o mesmo que Sócrates dizer que não sabia do negócio PT/TVI, mas a uma escala radicalmente diferente. Não só está em causa um valor dez vezes superior, como, no primeiro caso, era um negócio do Estado; no segundo, entre privados, sendo que o Estado detinha apenas uma ‘golden share' na empresa compradora.
Mas uma coisa é o negócio em si, outra é a forma como foi feito. Se as razões para a aquisição dos submarinos estão longe da densidade que os valores em questão exigem, que dizer de todo o processo de compra? Da escolha do consórcio alemão, em lugar do francês, à negociação das contrapartidas, que não só têm uma execução muito baixa, como uma penalização por incumprimento que beneficia o infractor, passando pelo papel de intermediação da ESCOM, que custou milhões e cuja entrada no negócio coincide com uma alteração significativa no preço de compra, o que temos é uma densa nuvem de suspeitas.
Numa altura em que se banalizaram as comissões de inquérito, não deixa de ser surpreendente que o único tema que tem, de facto, relevância, não seja motivo de inquirição pelos deputados. Pensando bem, o tema das contrapartidas nos negócios militares é muito incómodo. No caso dos submarinos, sempre são sete Governos e onze ministros da defesa.
publicado no Diário Económico
Subitamente, uma notícia no Der Spiegel veio aclarar as mentes.
Haverá razões para que Portugal adquira submarinos. À cabeça, o controlo militar e, essencialmente, económico do nosso principal activo: o mar. Acontece que o "tridente" e o "arpão" são também a aquisição mais cara da democracia portuguesa (custam cerca de mil milhões de euros).
O problema é que sobre a necessidade militar dos submarinos conhecemos apenas justificações circulares e sabemos que a NATO classificou a aquisição como um "desperdício", já sobre o seu papel económico também pouco se sabe. Numa altura em que se exige uma análise "custo/benefício" para construir um viaduto pedonal, é estranho que, sempre que se coloca uma questão sobre submarinos, nada mais se encontre para além de respostas evasivas.
E é aqui que entram as responsabilidades políticas. Uma das obrigações primeiras de quem governa é esclarecer. Quando o tema são submarinos, assistimos a uma espécie de "passa ao outro e não ao mesmo". A este propósito, a reacção de Durão Barroso foi paradigmática. Confrontado com as notícias do Der Spiegel, não se inibiu de afirmar que não tinha tido "qualquer intervenção directa" no negócio, além da participação na decisão tomada colectivamente em Conselho de Ministros. No fundo, a maior aquisição da democracia portuguesa foi tratada como um decreto-lei do Ministério da Agricultura. Estamos, no mínimo, perante um caso de irresponsabilidade política. Durão Barroso afirmar que não teve "intervenção directa" no negócio dos submarinos é o mesmo que Sócrates dizer que não sabia do negócio PT/TVI, mas a uma escala radicalmente diferente. Não só está em causa um valor dez vezes superior, como, no primeiro caso, era um negócio do Estado; no segundo, entre privados, sendo que o Estado detinha apenas uma ‘golden share' na empresa compradora.
Mas uma coisa é o negócio em si, outra é a forma como foi feito. Se as razões para a aquisição dos submarinos estão longe da densidade que os valores em questão exigem, que dizer de todo o processo de compra? Da escolha do consórcio alemão, em lugar do francês, à negociação das contrapartidas, que não só têm uma execução muito baixa, como uma penalização por incumprimento que beneficia o infractor, passando pelo papel de intermediação da ESCOM, que custou milhões e cuja entrada no negócio coincide com uma alteração significativa no preço de compra, o que temos é uma densa nuvem de suspeitas.
Numa altura em que se banalizaram as comissões de inquérito, não deixa de ser surpreendente que o único tema que tem, de facto, relevância, não seja motivo de inquirição pelos deputados. Pensando bem, o tema das contrapartidas nos negócios militares é muito incómodo. No caso dos submarinos, sempre são sete Governos e onze ministros da defesa.
publicado no Diário Económico
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