Vai trabalhar, malandro
Durante três séculos, as ‘workhouses’ foram o instrumento central da resposta à pobreza no Reino Unido.
Com origem nas ‘poor laws' de 1601, eram instituições em que os pobres trocavam protecção por trabalho, simbolizando o apogeu da protecção social como controlo social e higiénico dos pobres. O regime das ‘workhouses' era conhecido pelo seu carácter punitivo, que tinha como objectivo desencorajar que os residentes as vissem como alternativa ao trabalho. Em 1930, o Governo britânico aboliu as ‘worhouses'. A decisão é usualmente vista como um marco na generalização dos direitos sociais de cidadania no mundo ocidental. Em Portugal, em 2010, o novo líder do maior partido da oposição escolheu como aspecto central da sua plataforma política o "tributo solidário", uma medida que, a ser levada a sério, reenvia-nos para o universo simbólico das ‘workhouses'.
Na formulação de Passos Coelho, com o tributo solidário "quem é ajudado pelo Estado deve retribuir essa benesse em trabalho social". A obrigação recai sobre os beneficiários do RSI e do subsídio de desemprego. A proposta consegue ser, ao mesmo tempo, politicamente errada e revelar desconhecimento sobre o funcionamento das medidas existentes. No fundo, o tributo solidário tem apenas um objectivo: explorar politicamente o ressentimento face aos beneficiários de prestações sociais.
A proposta ignora que os beneficiários de prestações não-contributivas já estão sujeitos a obrigações. Por exemplo, para ter direito ao RSI é preciso aceitar um programa de inserção que inclui o titular da prestação e o seu agregado familiar. Também para os desempregados carenciados existem, já há muito tempo, os contratos emprego-inserção (antigos POC), que assentam em tarefas socialmente úteis (por exemplo, em hospitais, nas autarquias ou nas escolas). Mas uma coisa é activar mais os beneficiários de prestações não-contributivas, outra, bem diferente, é transformar beneficiários de subsídio de desemprego num novo "exército industrial de reserva". O subsídio de desemprego é um seguro social. Quem o recebe é porque formou o direito. Se, por absurdo, colocássemos os beneficiários do subsídio de desemprego a prestar "tributos solidários" estaríamos também a retirar valor ao trabalho. Em Portugal, muito do emprego nos serviços é mal remunerado e tem funções sociais. Caso os beneficiários de prestações sociais competissem por essas funções, provocar-se-ia uma enorme pressão sobre os salários de muitos portugueses, colocando em risco os seus postos de trabalho.
No fim, não deixa de ser politicamente revelador que, numa altura em que o desemprego se encontra acima dos 10%, se sugira que a indolência dos desempregados também é responsável pelo que se passa no mercado de trabalho. Que se utilize a expressão solidário a este propósito deve ser visto como um exercício típico de novilíngua.
publicado hoje no Diário Económico.
Com origem nas ‘poor laws' de 1601, eram instituições em que os pobres trocavam protecção por trabalho, simbolizando o apogeu da protecção social como controlo social e higiénico dos pobres. O regime das ‘workhouses' era conhecido pelo seu carácter punitivo, que tinha como objectivo desencorajar que os residentes as vissem como alternativa ao trabalho. Em 1930, o Governo britânico aboliu as ‘worhouses'. A decisão é usualmente vista como um marco na generalização dos direitos sociais de cidadania no mundo ocidental. Em Portugal, em 2010, o novo líder do maior partido da oposição escolheu como aspecto central da sua plataforma política o "tributo solidário", uma medida que, a ser levada a sério, reenvia-nos para o universo simbólico das ‘workhouses'.
Na formulação de Passos Coelho, com o tributo solidário "quem é ajudado pelo Estado deve retribuir essa benesse em trabalho social". A obrigação recai sobre os beneficiários do RSI e do subsídio de desemprego. A proposta consegue ser, ao mesmo tempo, politicamente errada e revelar desconhecimento sobre o funcionamento das medidas existentes. No fundo, o tributo solidário tem apenas um objectivo: explorar politicamente o ressentimento face aos beneficiários de prestações sociais.
A proposta ignora que os beneficiários de prestações não-contributivas já estão sujeitos a obrigações. Por exemplo, para ter direito ao RSI é preciso aceitar um programa de inserção que inclui o titular da prestação e o seu agregado familiar. Também para os desempregados carenciados existem, já há muito tempo, os contratos emprego-inserção (antigos POC), que assentam em tarefas socialmente úteis (por exemplo, em hospitais, nas autarquias ou nas escolas). Mas uma coisa é activar mais os beneficiários de prestações não-contributivas, outra, bem diferente, é transformar beneficiários de subsídio de desemprego num novo "exército industrial de reserva". O subsídio de desemprego é um seguro social. Quem o recebe é porque formou o direito. Se, por absurdo, colocássemos os beneficiários do subsídio de desemprego a prestar "tributos solidários" estaríamos também a retirar valor ao trabalho. Em Portugal, muito do emprego nos serviços é mal remunerado e tem funções sociais. Caso os beneficiários de prestações sociais competissem por essas funções, provocar-se-ia uma enorme pressão sobre os salários de muitos portugueses, colocando em risco os seus postos de trabalho.
No fim, não deixa de ser politicamente revelador que, numa altura em que o desemprego se encontra acima dos 10%, se sugira que a indolência dos desempregados também é responsável pelo que se passa no mercado de trabalho. Que se utilize a expressão solidário a este propósito deve ser visto como um exercício típico de novilíngua.
publicado hoje no Diário Económico.
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