segunda-feira, dezembro 16, 2013

Nós Somos a Irlanda


Há umas semanas Paulo Portas declarava, com ar emproado, “antes celta do que grego, mas em qualquer caso sempre português”. Uma frase de belo-efeito usada para colar Portugal à Irlanda – que iria ter um programa cautelar – e distanciar-nos da Grécia – que já teve um segundo resgate. Como é sabido, a Irlanda não terá um programa cautelar, deixando Portugal sem referência.
            À primeira vista, o caminho seguido pela Irlanda cria dificuldades a Portugal, ao mesmo tempo que sublinha as diferenças na trajetória de ajustamento dos dois países. Mas talvez o problema essencial não se encontre no que nos distingue. O que se passou revela, uma vez mais, que é maior a crise política europeia que une países sob resgate do que as idiossincrasias que os separam. Podemos hoje dizer com propriedade “nós somos a Irlanda”, na medida em que Portugal vai estar embrenhado na mesmíssima embrulhada em que se transformou a política europeia.
            É natural que um país que nunca procurou ter autonomia estratégica na negociação com a troika e que se limitava a ir à boleia da solução cautelar negociada pelos irlandeses fique desorientado. Do mesmo modo que a Irlanda tem vantagens comparativas. Não só porque se recusou a aplicar doses cavalares de austeridade, cumprindo apenas o que estava previsto no memorando e não cometendo a barbaridade de ir “além da troika”, mas também porque os desequilíbrios portugueses são mais sérios. A Irlanda tem um peso das exportações no PIB superior a 100% enquanto Portugal anda em redor dos 40%.
            Mas não valorizemos demasiado as distinções. Porque agora, como nos últimos anos, há um problema que está bem para lá das especificidades e é de natureza política.
            A Europa de hoje não funciona e está a criar as condições para o seu próprio colapso. A Irlanda optou por não ter um programa cautelar – que lhe concedia um seguro que era sempre vantajoso, mesmo que se conseguisse financiar autonomamente nos mercados – porque temeu que as negociações em Bruxelas se tornassem num factor de perturbação. Desde logo porque os indícios iam todos no sentido de antecipar uma intromissão abusiva nas opções políticas de Estados soberanos. Ou seja, a extensão da condicionalidade exigida era inaceitável.
            Como reconheceu com particular realismo o ministro das Finanças irlandês, “tinha medo de poder acabar em Bruxelas, às três da manhã, lá para Dezembro, com um caso de sucesso a ser transformado numa crise irlandesa. Vi o processo de tomada de decisões sobre assuntos que pareciam razoavelmente claros acabar por ficar encalhado”. No que toca a processos negociais, convenhamos, Portugal tem uma vantagem. Ao contrário da Irlanda, não temos nenhuma garantia de que o Governo português se empenhará na defesa dos nossos interesses soberanos. Quando chegar a hora de negociar a condicionalidade do segundo resgate ou do programa cautelar, o mais certo é que, quando em Bruxelas se exigir que se “mate”, o Governo português aproveite para dizer que bom mesmo era que se “esfolasse”.
publicado no Expresso de 23 de Novembro