A grande ilusão
Há
um par de meses, o risco de um segundo resgate foi substituído por um “programa
cautelar”, a conflitualidade política trocada por apelos ao consenso e a
espiral recessiva deu lugar a um “novo ciclo” de crescimento e investimento.
Este movimento que aparenta ser quase-tectónico não passa, contudo, de uma
grande ilusão. Não é surpreendente que assim seja: com eleições à porta e com o
ciclo legislativo a meio, o Governo precisa de encontrar uma narrativa
mobilizadora e, no essencial, agregadora para o que resta do programa de
assistência. O que surpreende é que essa grande ilusão não parece ser apenas
para consumo no país. Há sinais preocupantes de que é também para consumo da troika e, pasme-se até, do próprio
Conselho de Ministros.
Não
só não há nada de novo no ciclo que vivemos como as dificuldades que existiam
no que se pode chamar de fase “Gaspar dos últimos dias” continuam todas
presentes, mesmo que tenham sido escondidas debaixo da mesa do Conselho de
Ministros. O adiamento da 8ª avaliação – uma espécie de brinde autárquico –
pode ter suspendido os problemas mas não os fez desaparecer. Bem pelo
contrário, como aliás se tem visto pela fraca receptividade que o ímpeto
negociador de Paulo Portas tem encontrado junto da troika.
Desde
logo porque, ao contrário da ilusão que o próprio Governo alimenta, não há
nenhum debate para ser feito em torno da reforma do Estado. Desde o fim da 7ª
avaliação que as decisões estão tomadas e os cortes fixados e quantificados. A
menos que ocorra um recuo, o Governo comprometeu-se junto de Draghi, Barroso e
Lagarde com cortes acima de 4 mil milhões em rubricas específicas. Debater
agora serviria apenas para legitimar os cortes já consagrados e que, sendo
altamente recessivos, inviabilizam qualquer “novo ciclo”.
Da
mesma forma, os problemas políticos que levaram à saída de Gaspar mantêm-se: da
incapacidade de apresentar medidas conformes com a Constituição às divergências
estratégicas no seio do Governo (que tiveram esta semana mais um episódio com
os discursos dissonantes de Passos e Portas em torno da revisão das metas do
défice), culminando na própria inviabilidade estrutural do programa de
assistência.
Mas
nada como um exemplo concreto para se perceber até onde chega o estado de
ilusão em que vivemos. Pensemos na convergência entre o regime geral da
segurança social e a Caixa Geral de Aposentações apresentada esta semana. A
despesa da CGA é cerca de 7 mil milhões de euros anos e Portugal acordou um
corte de 700 milhões (cerca de 10%). Por outro lado, já sabemos que todas as pensões
inferiores a 600 euros ficam isentas, que o patamar de isenção aumenta com a
idade e que não haverá cortes acima de 10%. Ao mesmo tempo, na despesa total da
CGA estão incluídos beneficiários de fundos de pensões entretanto integrados
que formaram pensões com regras distintas e nada se sabe sobre que tipo de
cortes terão. É uma questão de fazer as contas para se perceber que os cortes
anunciados ficarão bem longe da meta acordada.
A
pergunta é por isso simples: o Governo está a iludir-nos a todos nós, a si
próprio ou à troika?
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