Resistir? Não tanto (II)
Na
semana passada escrevi que a austeridade tem levado a uma desagregação dos
sistemas partidários da Europa do sul tal como os conhecemos desde as
transições para a democracia. Mas uma coisa é o reconhecimento desta tendência,
outra é saber para onde vão os votos. As próximas eleições autárquicas serão, a
este propósito, um observatório interessante, que pode revelar mudanças
estruturais na política portuguesa.
Tratando-se
de eleições autárquicas, os factores marcadamente locais continuarão a existir
e atenuarão dinâmicas nacionais. A natureza cíclica das eleições, com a
mobilização de voto de protesto contra os partidos do Governo, não deixará de
estar presente. Contudo, é bem provável que as perdas do PSD/CDS não se
traduzam em ganhos diretos do PS. Quem está no poder será penalizado, mas quem
quer ir para o poder poderá não ganhar.
Esta
tendência é conforme com o que se passa em Espanha, Itália e Grécia. Nestes
países, perdas eleitorais dos partidos de poder têm sido acompanhadas por
ganhos marginais dos principais partidos da oposição. Mas como a política tem
horror ao vazio, temos assistido ao surgimento de novos partidos e movimentos.
Na Grécia, com os partidos dos extremos, à esquerda o Syriza e à direita a
Aurora Dourada; em Itália, um movimento antissistémico, gerado nas redes
sociais e liderado por um palhaço, tornou-se o partido mais votado; e, em
Espanha, as sondagens revelam uma enorme fragmentação, à custa do crescimento
de partidos regionais e, também, da União Progresso e Democracia, um partido
liberal de esquerda que visa pôr fim ao bipartidarismo do PP e do PSOE.
Neste contexto, Portugal
pode ser visto como um caso dissonante: o sistema partidário tem revelado uma
notável estabilidade e desde a formação do BE não têm ocorrido novidades. Será
mesmo assim?
Tradicionalmente, os
portugueses, em lugar de darem voz ao descontentamento político votando fora
dos partidos do sistema, tendem a desmobilizar eleitoralmente. Ao que acresce
que, desde 1975, o PCP tem prestado um serviço inestimável à democracia
portuguesa, com a institucionalização do protesto. Não por acaso, nas próximas
eleições o PCP terá certamente um grande resultado, recuperando muitas
autarquias.
As autárquicas têm, contudo,
um elemento de novidade: há muitos candidatos “independentes” com fortes
possibilidades de vitória. Escrevo com aspas porque, salvo raríssimas exceções,
não estamos perante candidaturas independentes, mas sim a cisões partidárias.
De alguma forma, as candidaturas “independentes” serão o lugar para onde se
deslocarão os votos do descontentamento face ao sistema. Faz sentido. Afinal,
estes candidatos consubstanciam alguns dos aspectos que são valorizados
positivamente pelos portugueses: a inserção local (políticos que se preocupam
com realidades concretas) e a crítica aos aparelhos partidários.
Com um pé ainda dentro dos
partidos e muitos deles com bilhete de regresso aos aparelhos, estes candidatos
revelam que, por paradoxal que possa parecer, o voto de protesto em Portugal
ainda gravita em torno dos partidos tradicionais. Resta saber por quanto tempo.
<< Home