segunda-feira, outubro 14, 2013

Resistir? Não tanto (II)


Na semana passada escrevi que a austeridade tem levado a uma desagregação dos sistemas partidários da Europa do sul tal como os conhecemos desde as transições para a democracia. Mas uma coisa é o reconhecimento desta tendência, outra é saber para onde vão os votos. As próximas eleições autárquicas serão, a este propósito, um observatório interessante, que pode revelar mudanças estruturais na política portuguesa.
Tratando-se de eleições autárquicas, os factores marcadamente locais continuarão a existir e atenuarão dinâmicas nacionais. A natureza cíclica das eleições, com a mobilização de voto de protesto contra os partidos do Governo, não deixará de estar presente. Contudo, é bem provável que as perdas do PSD/CDS não se traduzam em ganhos diretos do PS. Quem está no poder será penalizado, mas quem quer ir para o poder poderá não ganhar.
Esta tendência é conforme com o que se passa em Espanha, Itália e Grécia. Nestes países, perdas eleitorais dos partidos de poder têm sido acompanhadas por ganhos marginais dos principais partidos da oposição. Mas como a política tem horror ao vazio, temos assistido ao surgimento de novos partidos e movimentos. Na Grécia, com os partidos dos extremos, à esquerda o Syriza e à direita a Aurora Dourada; em Itália, um movimento antissistémico, gerado nas redes sociais e liderado por um palhaço, tornou-se o partido mais votado; e, em Espanha, as sondagens revelam uma enorme fragmentação, à custa do crescimento de partidos regionais e, também, da União Progresso e Democracia, um partido liberal de esquerda que visa pôr fim ao bipartidarismo do PP e do PSOE. 
Neste contexto, Portugal pode ser visto como um caso dissonante: o sistema partidário tem revelado uma notável estabilidade e desde a formação do BE não têm ocorrido novidades. Será mesmo assim?
Tradicionalmente, os portugueses, em lugar de darem voz ao descontentamento político votando fora dos partidos do sistema, tendem a desmobilizar eleitoralmente. Ao que acresce que, desde 1975, o PCP tem prestado um serviço inestimável à democracia portuguesa, com a institucionalização do protesto. Não por acaso, nas próximas eleições o PCP terá certamente um grande resultado, recuperando muitas autarquias.
As autárquicas têm, contudo, um elemento de novidade: há muitos candidatos “independentes” com fortes possibilidades de vitória. Escrevo com aspas porque, salvo raríssimas exceções, não estamos perante candidaturas independentes, mas sim a cisões partidárias. De alguma forma, as candidaturas “independentes” serão o lugar para onde se deslocarão os votos do descontentamento face ao sistema. Faz sentido. Afinal, estes candidatos consubstanciam alguns dos aspectos que são valorizados positivamente pelos portugueses: a inserção local (políticos que se preocupam com realidades concretas) e a crítica aos aparelhos partidários.
Com um pé ainda dentro dos partidos e muitos deles com bilhete de regresso aos aparelhos, estes candidatos revelam que, por paradoxal que possa parecer, o voto de protesto em Portugal ainda gravita em torno dos partidos tradicionais. Resta saber por quanto tempo.
 publicado no Expresso de 24 de Agosto