Consistências problemáticas
Num briefing insólito, o
secretário de Estado Pedro Lomba apontou a existência de “inconsistências
problemáticas” nas declarações do seu futuro ex-colega de Governo, Pais Jorge,
enquanto o demitia em direto. Acontece que, ao contrário do que foi sugerido,
mais do que incoerências, esta semana ficou marcada pelas coerências
problemáticas que têm enredado o Governo num clima de crise contínua.
A primeira das “consistências” é
a ausência de comando político no Executivo. Só assim se explica, por um lado,
que ninguém escrutine politicamente os curricula dos candidatos a governantes
e, por outro, a navegação à vista, sem qualquer sentido, que caracteriza a
gestão dos casos que se vão sucedendo a um ritmo difícil de acompanhar. Por si
só, este caos político não só coloca as condições de governabilidade em níveis
inimagináveis como diminui de facto a autoridade do Executivo para governar,
ainda para mais num contexto tão exigente, e para negociar, desde logo com a troika.
Uma outra consistência
problemática não menos relevante foi a promoção a ministra de uma secretária de
Estado do Tesouro já muito fragilizada e que, entretanto, se transformou num
cadáver político anunciado. É hoje evidente que a demissão irrevogável de Paulo
Portas tinha um motivo declarado – a continuidade das políticas de Vítor Gaspar
– mas, também, um não declarado – Maria Luís Albuquerque não podia ser ministra
com o espectro do “dossier swaps” a pairar. Um mês depois, é claro para todos
que Portas tinha razão e que, entre muitos outros efeitos desastrosos, as
teimosias do Primeiro-ministro bloqueiam o país.
Mas a mais problemática das
consistências é a ligação umbilical entre este Governo e os interesses do mundo
financeiro. Quando continuamos a viver as consequências de uma crise que teve
epicentro em falhas sistémicas no sistema financeiro, é inaceitável que quem
teve responsabilidades passadas, mesmo que passivas, em comportamentos tóxicos
na banca ocupe cargos no Governo. Que esta evidência não seja compreendida,
ajuda a explicar a surpresa com que as críticas são recebidas pelos próprios e,
mais relevante, as escolhas que continuam a ser feitas impunemente no
Ministério das Finanças. Só assim se compreende, por exemplo, que Paulo Gray,
um dos responsáveis pela tentativa de venda, em conjunto com Pais Jorge, de
swaps altamente danosos ao Estado português pelo CitiGroup, tenha sido
escolhido agora pelo Governo para, pasme-se, analisar os swaps problemáticos.
Como não se tem cansado de
sublinhar o economista Pedro Lains, há explicações para este padrão de
escolhas. A mais evidente das quais é a “estreita ligação entre o facto de o
Governo ser próximo dos bancos e o grau
de austeridade imposta ao país”. No fundo, talvez não se trate de incompetência
política mas, pelo contrário, de uma “consistência” política clara: favorecer
uns (instituições financeiras), enquanto os custos da austeridade recaem sobre
todos os outros.
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