segunda-feira, setembro 16, 2013

Uma grande ilusão


Nunca saberemos a verdade por inteiro. Há dois anos, Passos Coelho achou que era chegada a sua hora, provocou uma crise política extemporânea e alicerçou a campanha eleitoral no que pode ser classificado, para sermos benévolos, como uma colossal mentira. A ligeireza com que resolveria todos os problemas, que, convém nunca esquecer, não implicariam “mais austeridade” (sic), continua a ecoar. Hoje a dúvida persiste: tê-lo-á feito por total impreparação ou por mero tacticismo eleitoral? A resposta talvez esteja numa combinação das duas coisas.
Independentemente das justificações que possamos encontrar, os resultados são claros. No essencial, Passos Coelho, por aquilo que disse e pelo que não disse, diminuiu a legitimidade da sua ação futura e limitou muito a capacidade política de que viria a necessitar como primeiro-ministro. Uma vez eleito, o espectro do que disse o candidato Passos Coelho não tem deixado de acompanhar a ação do líder do Governo.
Ainda assim, a mentira da campanha é fundamentalmente prejudicial ao Executivo e degrada, ainda mais, a imagem dos políticos e da política. Nessa perspectiva, a ilusão em que hoje opera o Governo é muito mais perniciosa.
Não é preciso recuar muito no tempo para termos exemplos claros do ilusionismo dominante.
A crer no Expresso da semana passada, a coligação prepara-se para assinalar os dois anos de governação focando o seu discurso nas reformas e no “crescimento do país” (sic). O objectivo é, convenhamos, coerente. Ainda no fim-de-semana, Passos Coelho afirmava, num momento em que todas as previsões apontam para um aumento da dívida em 2014 e em que os sinais negativos sobre a execução orçamental de 2013 se avolumam, que “não vai aumentar o défice ou a dívida”. Talvez seja difícil encontrar exemplos mais acabados que provem, de forma tão clara, que neste momento o Governo já opera numa realidade paralela.
Ainda assim, podemos tomar estas declarações como fruto de uma gestão casuística do discurso. Bem mais preocupante é aquilo que se anuncia em termos de estratégia orçamental.
Depois de ter sido apresentado um orçamento retificativo que, em lugar de retificar, ratifica as soluções que já falharam, tudo o que se anuncia para 2014 só pode ser visto como um capítulo de um livro de ficção de péssima qualidade. Um cenário macroeconómico inverosímil, um défice no fim de 2013 que tornará, à partida, o exercício de 2014 inexequível e compromissos quantificados que constam da carta à troika incompatíveis com as declarações do primeiro-ministro no Parlamento (por exemplo, o montante a alcançar com os cortes na CGA).
Dois anos depois há uma verdade trágica: um Governo que assentou a sua legitimidade num colossal embuste diminui as suas próprias condições para exercer o poder. Já um Governo que vive numa ilusão sem qualquer adesão à realidade nem sequer serve a si próprio. É um Governo perigoso, que está a ameaçar o futuro do país, comprometendo-o por uma geração. 

publicado no Expresso de 8 de Junho