Estado de ansiedade
“Um menu de medidas”. O que
se pensava ser mais uma expressão infeliz do primeiro-ministro revelou-se,
afinal, parte essencial do anúncio da última dose de austeridade. Bastaram 48
horas para, com a intervenção de Paulo Portas, percebermos que estávamos mesmo
perante um cardápio de propostas, prontas a ser degustadas e algumas delas
alegadamente descartáveis. Tudo com um propósito quase pueril: o Governo
apresentava medidas que iam para além do necessário e com isso ganhava margem
de manobra para, é-nos dito, negociar com a oposição, com os parceiros sociais
e com a Troika.
Deixemos de lado uma
evidência que salta aos olhos de todos. As medidas apresentadas tinham um
impacto superior, no essencial, porque o Governo foi incapaz de, uma vez mais,
chegar a um entendimento no Conselho de Ministros e prolongou na praça pública
o que deveria ter sido resolvido internamente. Mas, convenhamos, a incapacidade
do Governo chegar a consensos internos está longe de ser o aspecto mais
preocupante.
O que assusta é a ligeireza
com que Passos Coelho não se coíbe de fazer anúncios públicos de cortes
sucessivos e novos impostos, como aconteceu agora em relação aos pensionistas e
já havia ocorrido em Setembro com a TSU, que afinal não são para levar a sério.
É o que se chama brincar com o fogo.
Não só o valor da palavra do
primeiro-ministro é posto em causa – alguém estará disponível para tomar como
credível um novo anúncio de Passos Coelho? –, como é gerado um clima de
incerteza entre os portugueses, que tem enormes custos. Os anúncios de novos
cortes nas pensões são, a este propósito, particularmente assustadores. É que
uma coisa é a necessidade permanente de reformar o Estado social de forma
reflectida, adaptando-o a novos contextos, outra, bem diferente, é substituir o
papel das pensões como factor de estabilidade política e de previsibilidade
económica por um estado de ansiedade permanente, que tem, aliás, efeitos
macroeconómicos.
Sabemos hoje o que aconteceu
depois de Setembro com o anúncio da TSU: uma retração imediata do consumo
(visível, por exemplo, nesse indicador avançado que são as vendas de
automóveis, que caíram abruptamente na segunda quinzena de Setembro). Se, ao
contrário do Governo, considerarmos que a economia é uma variável relevante,
rapidamente se percebe que estes anúncios, mesmo que não concretizados,
produzem logo um efeito psicológico. Não por acaso, de cada vez que este
Governo fala em folgas orçamentais, podemos com segurança antecipar o seu
destino – são invariavelmente consumidas pela recessão que se intensifica
sempre.
Como se não bastasse a
degradação social, as exigências políticas associadas à austeridade e a
ausência de qualquer perspectiva de saída para os nossos bloqueios económicos,
temos ainda um Governo que nunca hesita entre abdicar do seu papel como factor
de segurança e estabilidade para se tornar, objectivamente, um agente de
incerteza e de ansiedade. Exatamente com que propósito, não se chega a
perceber.
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