terça-feira, abril 09, 2013

Porque é que não te calas?


Há uns tempos, Vítor Gaspar deixou de ser apresentado como um técnico muito capaz para passar a ser um ministro incompetente. Do mesmo modo, esta semana, quando o Presidente do Eurogrupo, um holandês de nome impronunciável, Dijsselbloem, disse que a solução final para o Chipre podia ser aplicada em resgates de sistemas bancários de outros países, muitos se apressaram a classificar a declaração como um dislate de alguém com poucas competências políticas. Infelizmente, o problema de Gaspar, bem como o de Dijsselbloem, não é de incompetência técnica ou comunicacional. Antes assim fosse. A questão é política e ambos são, aliás, muito competentes na concretização da estratégia em que estão empenhados.
No essencial, esta estratégia assenta numa leitura da natureza da crise que procura iludir os interesses conflituais em jogo. A questão é de poder, logo política, e é-nos apresentada como sendo moral.
Quando a luta na Europa aquece, o tema da culpa reemerge com particular intensidade como mecanismo de ocultação das relações de poder. Não por acaso, o ministro alemão Schauble, em mais uma declaração reveladora, aproveitou por explicar as críticas à Alemanha como sendo feitas por “maus alunos”, os preguiçosos do Sul, invejosos dos “bons alunos”, os trabalhadores incansáveis do Norte. Ora esta visão, ao mesmo tempo pueril e eficaz, serve para disfarçar um conjunto de respostas à crise que visa servir os interesses dos credores (não nos iludamos, é essa a medida da eficácia para Vítor Gaspar) e reproduzir uma estrutura de poder na qual há beneficiários objectivos (à cabeça a Alemanha) e também perdedores objectivos (os países da periferia).
O primeiro acto da tragédia cipriota, que apenas agora se iniciou, encerra também uma questão de poder, com risco de contágio. No meio da insanidade que se apoderou do Eurogrupo, é possível discernir um conjunto de objectivos. É disso exemplo a arrogância de impor uma transformação do sistema económico do Chipre. O que o Eurogrupo em última análise diz é que Frankfurt, Londres e Paris podem ter centros financeiros fortes, mas Nicósia, Luxemburgo e Valletta não.
Enquanto a economia de Chipre é desmantelada, obrigando o país a reconverter-se economicamente, num contexto adverso, quem sabe regressando a uma base agrícola, com o decretado fim da circulação de capitais, de facto, já temos duas zonas euro. Resta saber quantos países se terão de juntar à união monetária com o Chipre.
Não admira que a Alemanha defenda os seus interesses, o que espanta é que os países da periferia interiorizem a culpa moral pela crise, que busquem expiá-la, aceitando sistematicamente o empobrecimento como solução, e que nas reuniões europeias ninguém se insurja contra o que é dito e feito. O que surpreende nas últimas semanas não são tanto as decisões tomadas, é a atitude colaboracionista de quem é objectivamente prejudicado. Não admira que Schauble ou Dijsselbloem digam o que pensam. O que choca é que ministros do Governo português presentes nestas reuniões não tenham a coragem patriótica para dizer: “porque é que não te calas?”
publicado no Expresso de 29 de Março