Uma oportunidade perdida
Em menos de dois anos,
desabituámo-nos de ter um primeiro-ministro capaz de explicar e de se explicar.
O regresso de José Sócrates, independentemente do que possamos pensar sobre o
que diz, revela a importância política da forma como se diz.
A clareza favorece também a
interpretação do que Sócrates quis que esta entrevista fosse. Na ausência de
alguém que contrariasse uma “narrativa” hegemónica, Sócrates optou por ser ele
a fazê-lo, formatando o debate público através de uma revisitação do início de
2011. Uma hora e meia de entrevista resultou num ajuste de contas com o papel
do Presidente e da atual maioria na precipitação de uma crise que,
inviabilizando o PEC IV, levou ao pedido de resgate. Com um corolário lógico:
Cavaco Silva está intimamente ligado à solução política que temos hoje.
Esta foi a entrevista que
Sócrates quis dar. Mas tratou-se de uma oportunidade perdida para dar uma outra
entrevista, incomparavelmente mais relevante. Uma entrevista que contrariasse a
tese da década perdida no ajustamento de Portugal ao euro, sublinhando o modo
como os seus Governos combateram os vários défices que diminuem a nossa
competitividade – das qualificações aos custos de contexto, passando pelo
orçamental. Défices estruturais e bem mais estratégicos que a sucessão de
episódios mesquinhos que ocorreram entre 2009 e 2011.
Um ex-primeiro-ministro tem
o direito de se defender de ataques soezes? Sim. Mas não terá também o dever de
contribuir para ultrapassar a situação de bloqueio em que o país se encontra?
Se assim é, qual foi o contributo desta entrevista?
comentário à entrevista de José Sócrates publicado no Expresso de 29 de Março
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