A revolta dos paradas
Esqueçam o que a ciência política tem
dito sobre declínio da participação política em Portugal. Ao contrário do que
se pensa, há por aí um vigor militante que opera subterraneamente. A crer no
jornal i, desde as últimas legislativas, os partidos não têm parado de
conquistar militantes. Todos viram aumentar o número de filiados, mas o que mais
impressiona são os valores para PSD e PS. Com a vitória de Passos Coelho, juntaram-se
ao PSD 9900 novos militantes, um valor que, ainda assim, compara mal com os
19552 que se filiaram no PS no último ano e meio.
É interessante procurar saber o que
motivou estes milhares de portugueses, numa altura em que a imagem dos partidos
anda pelas ruas da amargura. Em todo o caso, esta pujança militante talvez
seja, no essencial, importante para revelar como se estrutura hoje o poder
partidário.
A ideia de que há uma lógica de
reprodução de poder nos aparelhos dos partidos independente do sentimento dos
cidadãos não é nova, nem necessariamente negativa. Pode mesmo ser vista como
uma lei de ferro do funcionamento dos partidos: estes, para subsistirem,
precisam de garantir níveis de coesão interna que requerem algum tipo de
fechamento. A questão é, contudo, de grau.
No passado, umas vezes melhor outras
pior, os partidos portugueses foram encontrando formas de se sintonizarem com a
sociedade e com os grupos sociais que representavam. Hoje, alguma coisa está a
mudar. A sensação com que se fica é que o militante de base, em lugar de estar
sintonizado com a sociedade, passou a estar em sintonia com o presidente da
concelhia à qual pertence, criando-se uma bolha que separa sindicatos de voto e
caciques locais do conjunto dos portugueses.
O fenómeno é particularmente visível quando
pensamos no poder autárquico e encontra no processo que levou à escolha do
candidato do PS à Câmara de Matosinhos um exemplo de manual. Com um presidente
em exercício eleito, os socialistas optaram por não patrocinar a sua
recandidatura, apoiando a candidatura de António Parada. Ora o que é que
qualifica Parada para ser candidato? A resposta é simples: é um grande
mobilizador de militantes, traz consigo um verdadeiro sindicato de votos e foi,
certamente, um dos grandes angariadores dos tais novos filiados que entraram
para os partidos nos últimos tempos.
É claro que sempre houve “Paradas”. A
diferença é que, hoje, têm uma ambição que não tinham – passaram a alimentar o sonho
de serem ministros -, e, mais importante, é em seu redor que gravita o essencial
do poder nos partidos. No passado, os militantes eram muito influenciados pela
sociedade e contagiavam as estruturas intermédias dos partidos. Agora, os
militantes são controlados pelos “Paradas” que, por sua vez, garantem a
reprodução do poder interno, com uma lógica que opera, cada vez mais, de costas
voltadas para a sociedade. Esta revolta dos Paradas gera um paradoxo: a
manutenção do poder no aparelho depende da criação de “bolhas políticas”, alimentadas
por hordas de novos militantes, que são tanto mais eficazes quanto mais imunes
ao que o país pensa.
publicado no Expresso de 9 de Fevereiro
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