sexta-feira, fevereiro 08, 2013

Um navio magnífico


Os portugueses olham para os partidos com um misto de desconfiança e desprezo e os partidos empenham-se em dar razão à opinião dos portugueses. Esta semana, o PS resolveu oferecer uma demonstração condensada de quase todos os seus aspectos negativos. Do dramatismo fundado em categorias emocionais até às clivagens políticas assentes em questiúnculas pessoais, passando por uma síntese unitária em clima de assembleia geral de juventude partidária, houve de tudo um pouco. No fim, a sensação com que se ficou é que, no PS de hoje, o tacticismo é a regra e as divergências são, no essencial, artificiais – na medida em que têm pouco de programático e são ultrapassáveis com a dose certa de palmadinhas nas costas.
Talvez o maior equívoco de todos seja o de que os portugueses desconfiam das confrontações e preferem os consensos. Não me parece. O problema não é a vida dos partidos assentar em discordâncias. O problema é a natureza das divisões. Quando as clivagens partem da necessidade de saber o que fazer com o poder, as clarificações não fragilizam. Pelo contrário, reforçam a afirmação dos partidos. Quando o que está em causa são equilíbrios de poder interno, os portugueses olham com desconfiança para um tacticismo que carece de sentido estratégico.
Vale a pena sublinhar que as dificuldades de afirmação que o PS tem tido são fruto de tudo menos de falta de unidade interna. O essencial do problema é de natureza programática e de protagonistas e tem tanto a ver com o passado como com o futuro.
O que fragiliza não é o PS de hoje ser crítico da experiência recente de passagem pelo poder com Sócrates. O que debilita a atual liderança é o silêncio com que geriu a sua relação com o passado, abdicando de criticar o (muito) que havia a criticar e esquecendo-se de enaltecer o (muito) que há que enaltecer. Enquanto os socialistas não fizerem uma clarificação programática retrospectiva não serão capazes de ter uma afirmação prospectiva mobilizadora e que faça diferença quando voltarem ao poder.
A sensação com que se fica é que a geração dirigente de hoje formou-se num contexto político do qual não é capaz de se libertar. Os tempos já não estão para líderes da oposição que se limitam a gerir silêncios, promover consensos internos e esperar que o poder caia de podre. Portugal e a Europa de 2013 são muito diferentes do tempo em que Guterres e Sampaio promoveram uma síntese interna. Além de que, pelo caminho, o lado mais pernicioso da cultura de juventude partidária contaminou irreversivelmente os aparelhos dos partidos.
De tal forma que, após uma comissão política absurda, várias vozes não hesitaram em afirmar que o PS tinha saído reforçado e que se tinha tratado de uma “reunião magnífica”, como se fosse possível esquecer o processo que tinha conduzido até ali e a persistência ensurdecedora dos problemas. De facto, com tanta “unidade” e força para “enfrentar desafios”, o PS faz lembrar o Titanic, um navio imparável e magnífico no momento em que soltou amarras. Sabemos bem para onde se dirigia.
publicado no Expresso de 2 de Fevereiro