sexta-feira, janeiro 18, 2013

Estado Social, um obituário


Ao longo de décadas de vida, o Estado Social foi fonte de segurança para gerações de portugueses. Ainda assim, o seu desaparecimento esta semana, recebido com pesar colectivo, não surpreende. Muito fragilizado por factores que escapavam ao seu controlo (ex. arrefecimento económico e envelhecimento), não resistiu à dor infligida por um diagnóstico combinado entre o Governo português e uma instituição internacional.
A simpatia com que era olhado por muitos portugueses assentava no facto de a sua passagem à maturidade ter correspondido a uma melhoria significativa das condições de vida de largos sectores da nossa sociedade, contribuindo pela sua ação persistente para a formação de uma, ainda assim incipiente, classe média. A expansão dos serviços por si oferecidos nas áreas da saúde e da educação foi, aliás, um cimento fundamental para a consolidação da democracia.
É difícil situar com exatidão o ano do seu nascimento, mas há um consenso alargado que refere a sua natureza tardia entre nós. Com raízes na primeira reforma do sistema corporativo em 1962, só se desenvolveu de forma robusta a partir de 1974, maturando com a adesão europeia, em 1986. O seu primo alemão, por exemplo, formou-se ainda sob a mão pesada de Bismarck, no final do século XIX, como forma de conter as reivindicações operárias e como instrumento ao serviço da criação de um novo Estado-nação. Já no Reino Unido, parente também próximo, a sua expansão é filha da democracia e da ascensão política do partido trabalhista, ainda que assente num relatório muito celebrado, elaborado por um deputado liberal, William Beveridge.
A sua morte provocou reações em todos os sectores da sociedade portuguesa. Em comunicação ao país, o Presidente sublinhou o seu empenho pessoal no desenvolvimento do Estado social, tendo ainda aproveitado para se declarar um neokeynesiano. O primeiro-ministro, do que se percebeu, afirmou que estava a governar para libertar a sociedade do Estado e que o Vítor tinha feito umas contas, alavancadas pelo FMI, que confirmavam a inconstitucionalidade do sistema. O terceiro declarou com voz pesarosa que era um democrata-cristão e que uma morte destas, com o CDS no governo, não se voltaria a repetir. O líder do PS, com grande responsabilidade, reiterou que sempre tinha afirmado que quando chegasse ao Governo promoveria a ressurreição do Estado Social. PCP e BE convergiram, sublinhando que desde 1975 avisavam que o Estado Social estava a ser morto.
Num obituário publicado esta semana no Guardian, sobre a morte simultânea do seu primo britânico, era dito, com razão, que o desaparecimento do Estado Social não significava o fim da despesa social, mas apenas um regresso aos seus antecessores, a caridade e as políticas centradas no combate à pobreza extrema. À hora de fecho desta edição, havia rumores crescentes de que o seu pai, a democracia representativa, e a sua mãe, uma sociedade decente, ainda que mantivessem sinais vitais, estavam numa situação clínica muito delicada e talvez não recuperassem do abalo causado pela morte do filho dileto.

publicado no Expresso de 12 de Janeiro