quinta-feira, janeiro 03, 2013

Governar para dividir


            Este Governo apostou em ser uma versão extrema de uma tradição arreigada – pôr os portugueses uns contra os outros para governar. Depois de opor trabalhadores privados a funcionários públicos; agora, não ocorreu nada melhor ao executivo do que pôr trabalhadores contra pensionistas.
            Uma das principais responsabilidades de um Governo é ser um factor de segurança. Num momento como aquele que vivemos, esta asserção é mais verdadeira. As declarações de Passos Coelho têm tido o condão de gerar incerteza entre os portugueses, mas são, no essencial, um retrato de um estilo. Por um lado, a ação política assente num objectivo paradoxal – governar para dividir –, por outro, a sensação de que nos condenaram a sermos governados pelo líder de uma juventude partidária.
            O discurso das ‘pensões milionárias’ parece saído de um manual sobre como conquistar jotas. No estilo, na superficialidade e na retórica politicamente perigosa. Com uma diferença: feito por um congressista da JSD o seu efeito seria praticamente nulo; proferido por um primeiro-ministro, o caso muda de figura.
            O estilo não engana. Para quem se habituou a fazer carreira política através de sucessivos realinhamentos tácticos, não espanta que, no momento em que se ficou a saber que Cavaco Silva tinha dúvidas quanto à constitucionalidade do orçamento, se aproveite para dar uma “canelada” no pensionista que é Presidente.
Mas a ligeireza com que se aborda um tema muito sensível é ainda mais reveladora. Vale a pena relembrar que todas as pensões acima de 1350 euros são penalizadas no orçamento e que o sistema previdencial não só não está falido, como tem excedentes, que contribuem todos os anos para a consolidação das contas públicas.
Finalmente a solidariedade intergeracional. O primeiro-ministro parece ter descoberto que “há pessoas que têm reformas pagas por quem está a trabalhar” (sic). Não poderia ser de outra forma. Como o nosso sistema é de repartição, os ativos de hoje pagam os benefícios dos ativos de ontem. A este propósito, recorde-se que os sistemas de pensões financiados por contribuições surgiram num determinado contexto e para desempenhar uma função.
No pós-Guerra, havia a convicção de que o colapso bolsista era uma das causas da falência dos regimes liberais, daí que se tenha assistido a uma retração generalizada dos esquemas de capitalização e uma opção pela repartição. Para além do mais, eram necessárias políticas que reconstruíssem os laços sociais entre cidadãos. Os sistemas de repartição cumpriam esse duplo objectivo: responder às várias inseguranças que haviam resultado na Guerra e criar uma comunidade política de pertença, assente na solidariedade intergeracional.
Os sistemas de pensões devem ser reformados? É o que tem acontecido e deve continuar a ser feito. Mas ganhamos colectivamente alguma coisa com um anátema generalizado sobre carreiras contributivas e fórmulas de cálculos? Não. Aliás, é uma forma de, ao mesmo tempo que se dilui a solidariedade entre portugueses, nada se fazer, de facto, para garantir a sustentabilidade da segurança social.  
publicado no Expresso de 22 de Dezembro