Uma teoria geral dos buracos
Vale
a pena recordar a história do homem que tinha como ambição elaborar uma teoria
geral dos buracos. De cada vez que era confrontado com uma qualquer questão
simples – Que tipo de buracos? os feitos pelas crianças na construção de castelos
de areia? os que são escavados para assentar as fundações de uma construção? Os
que um agricultar cava para lançar sementes à terra? -, ele respondia, em tom
indignado, que a sua aspiração era desenhar uma teoria geral, capaz de explicar
todos os buracos. O que era uma evidência para o teórico dos buracos, é negado
pelo senso comum – as explicações dos diferentes tipos de buracos variam.
Quando
pensamos no modo como a discussão sobre a refundação do Estado foi lançada,
ficamos com a impressão de que se, por absurdo, obedeceu a algum princípio foi
à teoria geral dos buracos. Não se sabe de que é que se está a falar e
realidades muito diversas são tratadas como sendo iguais.
O
que está em causa é um desequilíbrio orçamental. Se assim é, qual a razão para iniciar
a discussão colocando o enfoque nas funções sociais? A menos que se confunda
Estado social com toda a despesa (das funções de soberania aos salários na
administração pública, passando pelos tribunais) não há motivo para que não se
tenha um debate aberto sobre o conjunto das políticas públicas. Ao procurar
centrar o pseudodebate nas funções sociais, fica claro que a crise é uma
oportunidade para impor uma agenda ideológica que tem como ambição diminuir as
responsabilidades públicas nas áreas sociais.
Esta
agenda é reveladora da ligeireza com que somos governados. Como nos ensina a
história, um pouco por toda a Europa e independentemente da sua natureza, os
Estados sociais cumpriram invariavelmente três funções: socializar os riscos;
criar uma comunidade de pertença e legitimar os regimes políticos (mesmo os
autoritários). Não por acaso, o Estado social foi construído para cooptar as
classes médias. Podemos bem enveredar por um caminho que crie um Estado social de
mínimos, dirigido ao combate à pobreza, mas essa opção terá consequências: o
sentimento de pertença à comunidade será afectado e a legitimidade política do
regime sofrerá abalos.
Não
menos insólita é a tentativa de tratar como igual o que é diferente, mesmo se
nos cingirmos às áreas sociais. Se o valor avançado, 4 mil milhões de euros, deve
ser colocado em perspectiva (estamos a falar de 2/3 do orçamento em educação e
metade do que o Estado gasta com saúde), não menos importante é ter presente que
os desafios que enfrenta a sustentabilidade do SNS não são os mesmos da
educação ou da proteção social. Do mesmo modo que não há uma teoria geral capaz
de lidar com as várias áreas sociais, também cortes feitos a régua e esquadro
só poderão dar maus resultados.
Estamos
a ser arrastados para o pior dos mundos: um mau debate, movido por uma agenda
ideológica insensível à realidade e implementada com ligeireza. Talvez quando
este Governo for removido seja possível falar de uma teoria geral dos buracos.
publicado no Expresso de 15 de Dezembro
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