Um exercício alucinado
Este
orçamento tem sido criticado por ultrapassar “os sacrifícios pedidos aos
portugueses” e comparado fiscalmente com um ataque de “napalm”. Nenhum destes
problemas é a principal fragilidade do O.E.. A questão central é outra: mesmo se
nos colocarmos na posição das sete pessoas (espero não me estar a esquecer de
ninguém) que defendem a bondade desta estratégia, não se percebe como é que
este orçamento pode ser cumprido.
No
essencial, um orçamento é uma previsão da receita e da despesa que reflete um
conjunto de opções políticas. Ora há, desde logo, um problema sério com o
cenário de partida. O ministro das Finanças, das poucas vezes que é convidado a
responder à questão, insiste que o défice real em 2012 será de 6%. Resta saber
como será o comportamento deste último trimestre, nomeadamente tendo em conta o
efeito depressivo produzido pela sucessão de declarações políticas, iniciada
com o anúncio das alterações na TSU. O mais provável é estarmos a assistir a um
quadro de colapso da receita fiscal, numa espécie de versão extrema do que se
passou em 2009, com Teixeira dos Santos como ministro.
As
consequências são claras: o incumprimento de 2012 projetar-se-á em 2013. Não
por acaso, perante um compromisso de reduzir o défice em meio ponto percentual,
o Governo anuncia um esforço de austeridade superior a 3% do PIB. Uma parte
deste esforço é para compensar o fracasso de 2012, que o Ministro Gaspar parece
sentir-se no direito de não justificar. Mas não explica tudo.
O mais
grave é o que se anuncia para 2013. Mais uma vez, o Governo elabora um
orçamento que assenta num cenário macroeconómico fantasioso, em valores para o
desemprego subestimados e numa expectativa para a receita inflacionada. A fórmula
vai falhar e não estamos perante uma repetição do otimismo irrealista que
caracterizou a política orçamental do passado recente, já entrámos no domínio
da relação alucinada com a realidade.
Ninguém
no seu perfeito juízo pode acreditar que uma austeridade sem paralelo provocará
uma recessão de 1% do PIB e trará apenas mais 80 mil desempregados. Aliás,
basta utilizar a nova versão dos multiplicadores orçamentais do FMI para se
perceber que o impacto negativo na economia variará entre os 3 e os 5%,
produzindo um efeito devastador no mercado de trabalho.
O
Ministro Vítor Gaspar falou esta semana num “conjunto de incertezas” que ameaça
a execução orçamental. Infelizmente estamos perante um conjunto de certezas: o
orçamento não tem credibilidade, tem uma componente de alucinação, é
incumprível e empurrará o país para uma espiral recessiva.
Se é
assim, e a menos que a insanidade tenha tomado conta do Conselho de Ministros
(hipótese que não deve ser descartada à partida), esta “estratégia” serve
exatamente para quê? Para ganhar tempo? Talvez não fosse despiciendo que alguém
no Governo ensaiasse uma resposta à questão. Se tal não for feito, o Governo,
que agora se encontra moribundo, cairá às mãos do boletim de execução
orçamental do 1º trimestre.
publicado no Expresso de 20 de Outubro
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