quinta-feira, setembro 20, 2012

Uma coligação de gente perigosa


A crise é uma oportunidade. Esta coluna poderia começar assim todas as semanas, para depois prosseguir com mais um exemplo. Mas, na verdade, nunca em nenhuma outra altura ficou tão claro que a crise é, de facto, uma oportunidade. Uma oportunidade para impor uma agenda política que de outro modo não seria possível de implementar. Esta crise, sabemos hoje, tem sido a oportunidade há muito esperada para pôr em marcha a maior experiência de engenharia social que o país conheceu.
Na última semana, em dose dupla, primeiro por Passos Coelho e depois por Vítor Gaspar, assistimos ao anúncio do que, a ser aprovado, será a maior redistribuição de riqueza alguma vez ocorrida no Portugal democrático. As alterações na taxa social única, combinadas com cortes nas pensões, no salário mínimo e aumentos nos impostos, não só provam que o Governo está empenhado em ir bem para além da troika, como demonstram que o que está em causa já não é a consolidação das contas públicas, mas, sim, um processo de alteração das relações de poder económico em Portugal, que encontra na devastação social e no empobrecimento instrumentos privilegiados.
            Nenhum país foi tão longe na experiência que agora se anuncia em Portugal. Uma experiência onde cegueira ideológica se articula com governação através dos modelos econométricos que tanto fascínio exercem sobre o ministro Vítor Gaspar. Ora, como é sabido, a realidade e o bom senso são duas variáveis que tendem a não estar presentes nestes modelos. Aliás, esta semana, em entrevista à TSF, o ex-presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, sublinhava que “a economia é uma navegação; não é uma ciência”. Em Portugal, o triunvirato que nos governa, liderado por um primeiro-ministro impreparado, coadjuvado por uma dupla de fanáticos, Gaspar e Borges, acredita piamente no contrário e está a entregar-nos como cobaias para uma experiência académica.
Desde Vasco Gonçalves que Portugal não era governado por gente tão perigosa. O trio Passos/Gaspar/Borges vê-se a si próprio como uma nova vanguarda, a quem a verdade foi revelada e que julga representar os interesses objectivos do país. Acontece que se continuarmos a insistir no ir para além da troika, se não combatermos politicamente as exigências que nos são feitas, se “não berrarmos” nas instâncias internacionais (para usar a feliz expressão de Ferreira Leite), daqui a um ano teremos, de novo, metas do défice revistas e mais anúncios de cortes e aumento dos impostos. Não é preciso nenhum modelo para prever que a receita que falhou no último ano falhará num patamar ainda mais elevado no próximo ano.
Neste momento só podemos esperar uma coisa. Que em nome da sensatez e dos equilíbrios institucionais, este processo seja parado já. Se não o for agora, será tarde de mais: os estragos estarão feitos e a revolta e a mudança terão lugar na rua.

publicado no Expresso de 15 de Setembro.