Uma questão de liderança?
Uma
das ideias mais populares para explicar o impasse europeu é que enfrentamos uma
crise de lideranças. É tentador pensar assim quando comparamos personalidades como
Kohl, Mitterrand e Delors com Merkel, Hollande e Barroso. Mas o mais provável é
que lamentarmo-nos de que temos um problema com os líderes políticos sirva de
pouco e não nos ofereça pistas para compreendermos o que é que está a correr
mal na Europa.
Quem
acredita que a crise se ultrapassa através da reinvenção das lideranças
políticas, no fundo crê que, removidos os atuais políticos e substituídos por
líderes carismáticos, os constrangimentos eleitorais domésticos desaparecerão
por arte mágica. Pelo caminho, a Alemanha seria capaz de concretizar o seu potencial
hegemónico, desempenhando hoje o papel que o Reino Unido assumiu no século XIX
e os Estados Unidos no pós-Guerra – isto é, dinamizaria a economia europeia e
permitiria, finalmente, que o BCE se tornasse um banco central à imagem dos
existentes nos Estados-nação.
Este
argumento, que é muito popular, esquece que a questão não é de liderança mas de
poder. A este propósito, num interessante debate realizado há semanas, o
politólogo norte-americano Daniel Drezner sublinhava no seu blogue que
acreditar que as coisas melhorariam desde que tivéssemos melhores líderes é um
pouco como desejar que os políticos façam “as coisas certas”. Trata-se de um
desejo razoável, mas está longe de ser uma explicação ou uma prescrição.
Claro
que não é irrelevante a Alemanha ter hoje como chanceler alguém que cresceu no
Bloco de Leste, que tirou uma licenciatura em engenharia física e um
doutoramento em química quântica na Universidade Karl Marx – uma combinação
verdadeiramente explosiva no quadro da “guerra fria” –, que apresenta no seu curriculum juvenil notáveis prestações
nas olimpíadas escolares em russo e cuja memória da Segunda Guerra é
necessariamente menos presente. Mas, mais do que sugerir uma crise de
liderança, esta conjugação de factores reflete uma orientação geopolítica para
a Alemanha muito distinta da que durou desde o pós-Guerra até à queda do muro
de Berlim. Não por acaso, esta semana, Merkel consolidou a sua posição nas
sondagens como a política mais popular da Alemanha.
O
mais provável é que aquilo que tomamos como uma questão de qualidade da
liderança na Alemanha seja, de facto, o reflexo de uma nova opção estratégica –
com uma inclinação para Leste – e, acima de tudo, de uma forma de exercício do
poder que vai ao arrepio dos desejos dos países do Sul e que, aliás, é conforme
com a cultura política e com os desejos dos eleitorados do Norte de hoje.
Constrangimentos
que infelizmente são muito complexos e que talvez expliquem a tentação para
seguirmos a via fácil e responsabilizarmos as lideranças que temos pela
paralisia europeia que vivemos. Em todo o caso, convém não mitificar
excessivamente os líderes carismáticos do passado: afinal, Kohl, Mitterand e
Delors foram os mentores de uma zona euro cuja arquitetura institucional nos
trouxe até aqui.
publicado no Expresso de 4 de Agosto
<< Home