quarta-feira, julho 18, 2012

Por favor, não toquem no futebol


Em Portugal há uma verdadeira obsessão: tudo tem de ser repensado profundamente e sujeito a reformas estruturais. Da saúde à segurança social, passando pelo que resta da indústria, qualquer estratégia que assente em alterações cirúrgicas está excluída à partida. Temos um fascínio pelos grandes planos que só encontra paralelo na incapacidade de consolidar soluções e monitorizar resultados. É de tal modo que mesmo o que funciona bem não escapa a esta fúria reformista.
O futebol não é exceção. Não passam muitos dias sem que apareça alguém a reclamar por uma reforma do futebol português, que supostamente precisa de ser repensado. Em linguagem futebolística, fala-se de coisas como “apostar no projecto”, que, como é sabido, tem no Sporting um exemplo de manual.
Enquanto adepto de bancada, com anos e anos de lugar cativo, tenho um pedido a fazer: por favor, não toquem no futebol português. Não o reformem, não o repensem, não alterem o modelo entre o caótico e o espontâneo que tem funcionado nos últimos anos e, acima de tudo, protejam a modalidade da fúria transformadora dos que se apresentam com “grandes reformas”.
Os resultados estão aí para demonstrar como o futebol tal como tem existido é um caso de sucesso, sem comparação, entre nós, com quase nenhuma outra atividade (talvez só com esse outro estranho fenómeno nacional que é a produção poética) e que precisa de ser preservado intacto.
Torna-se difícil perceber como é que um país sem cultura de desporto de alta competição, com apenas 132 mil atletas federados (que comparam com os mais de seis milhões da Alemanha, os mais de um milhão e meio da Itália ou os 650 mil de Espanha), não só se qualifica sucessivamente para finais de competições europeias como concretiza uma impossibilidade teórica: alcança uma final e várias semi-finais. A única explicação é um acaso cósmico que fez com que talentos individuais coexistissem no espaço e no tempo, sem grande planificação. Convém ter consciência que isto não vai durar para sempre. Aliás, estamos a ficar muito mal habituados.
Pense-se no exemplo de Paulo Bento. Com extraordinária casmurrice, conseguiu operar um milagre: resgatou um grupo de rapazes moribundos das mãos do Professor Queiroz, qualificou-nos e, depois, mesmo com três ou quatro jogadores abaixo de medianos e na ausência de alternativas, formou uma equipa, apoiada num prodígio (Ronaldo) acompanhado por quatro jogadores de classe mundial (Coentrão, Pepe, Moutinho e Nani), devidamente coadjuvados por mais três bons rapazes.
Mas também o trabalho dos clubes é notável. Com recursos que comparam mal com os colossos europeus, têm importado matéria-prima de mercados longínquos, para depois lhe acrescentar valor e exportar com mais valias assinaláveis. O Benfica e o Porto dos últimos anos podem ser apresentados como casos de sucesso neste tipo de especialização produtiva que aposta nos bens transacionáveis e fá-lo com independência do Estado.
Pensando bem, o futebol português não tem apenas de ser protegido da fúria reformista, pode mesmo funcionar como exemplo para o resto do país.

publicado no Expresso de 30 de Junho