As previsões dos porcos-espinhos
Rara é a semana em que os números do desemprego não são revistos em
alta, as estimativas para o produto em baixa, enquanto ficamos a saber que a
receita fiscal fica abaixo do estimado e a despesa em protecção social acima do
esperado. Se há previsão que podemos fazer com segurança é a de que as
previsões falham sistematicamente. Movido por esta constatação, Philip Tetlock,
professor de Psicologia em Berkeley, procurou perceber a razão para as
previsões dos peritos falharem e quais os factores que garantem maior
fiabilidade na antecipação dos acontecimentos. Em “Expert Political Judgment”,
através de uma análise de 82 mil previsões, em várias áreas, ao longo de 25
anos, chegou a algumas conclusões.
À cabeça, a de que todos podemos ser especialistas – com vantagem,
aliás, para a capacidade de prever tendências e antecipar acontecimentos. Senão
vejamos: a classificação dos especialistas em torno de dois eixos – capacidade
de estimar probabilidades e de anunciar resultados específicos – apresenta
resultados muito pouco entusiasmantes. Como sustenta Tetlock, quanto maior o
grau de especialização numa determinada área e quanto mais detalhada for a
informação sobre um determinado assunto, menor é a capacidade de alguém prever
com precisão um evento ou uma tendência nessa mesma área. Parece contraditório,
mas a evidência empírica recolhida por Tetlock sugere precisamente que é o
excesso de especialização que torna as previsões pouco credíveis.
Neste sentido, e partindo de uma parábola grega popularizada pelo
filósofo Isaiah Berlin, Tetlock divide os especialistas em dois tipos: as
raposas e os porcos-espinhos. A distinção assenta na ideia de que enquanto as
raposas trabalham em várias frentes e procuram olhar para o mundo em toda a sua
complexidade, evitando integrar as suas mundivisões num conceito geral
unificador, os porcos-espinhos simplificam a realidade através de uma leitura
organizadora baseada num conceito unificador, capaz de tudo traduzir em nexos
causais lineares. No fundo, a raposa sabe muitas coisas enquanto o
porco-espinho sabe uma grande coisa.
É precisamente essa a conclusão de Tetlock: os especialistas nos
quais devemos acreditar são os que se aproximam das raposas – capazes da
auto-crítica, ecléticos e disponíveis para actualizar as suas crenças face a
novos factos. Já os especialistas que tendem a desempenhar pior o papel de
cassandras são os que se aproximam dos porcos-espinhos – têm uma grande ideia,
normalmente convincente e articulada, mas que aplicam a todos os
acontecimentos. Tetlock acrescenta que os media preferem os porcos-espinhos.
Digam lá, era assim tão difícil prever que o desemprego seria bem
superior ao previsto e que a receita fiscal teria uma queda mais abrupta do
estimado? Não era. Bastava que, em lugar dos porcos-espinhos que monopolizam a
ciência económica, com vistas curtas e movidos por obsessões ideológicos, nos
fossem oferecidas mais raposas, com a dose justa de cepticismo.
publicado no Expresso de 26 de Maio.
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