Uma espécie de fetichismo
Num mundo perfeito, poderíamos desenhar o modelo de segurança social ideal. Esse modelo combinaria uma componente de repartição com uma de capitalização. Infelizmente, na realidade não há “posições iniciais”, pelo que nos resta encontrar formas graduais de reformar os sistemas tal como se foram institucionalizando.
O modelo de segurança social português enfrenta problemas apenas no longo prazo (de acordo com o OE 2012 há reservas para pagar pensões até 2050). Ora, uma coisa é reformar o sistema previdencial preventivamente e com realismo (alterando fórmulas de cálculo, diversificando fontes de financiamento), conscientes de que a sustentabilidade é função, no essencial, do comportamento da economia, outra é, em nome de um fetichismo ideológico, recorrer ao plafonamento como solução mirífica.
O plafonamento não só não é a única forma de introduzir mecanismos de capitalização, como não resolve o problema da sustentabilidade e até o aprofunda no médio prazo – estamos a falar da diminuição das contribuições hoje e das pensões no futuro. Num quadro de profundos desequilíbrios orçamentais, não se percebe como é que o mesmo Governo que não conseguiu encontrar alternativa para a diminuição da taxa social única é capaz de financiar a perda de contribuições na fase de transição. A menos que esta seja paga, de facto, por uma subida abrupta da idade legal de reforma.
Contudo, o aspecto mais pernicioso deste debate é o modo como num contexto de profunda incerteza vem adicionar novos riscos numa área que, em todo o Ocidente, foi o cimento da consolidação dos Estados-nação desde o final do século XIX e das democracias desde o pós-guerra. É o que se chama brincar com o fogo.
comentário à "proposta" de reforma do sistema de pensões publicado no Expresso de 21 de Abril
<< Home