O PSD reconstruído
A história do PSD tem muitos traços persistentes. Contudo, é bem possível que o congresso deste fim-de-semana consolide algumas rupturas significativas. Em parte explicáveis por uma situação económica e social em profunda mutação, que obriga a um reposicionamento dos sociais-democratas. Mas a alteração de contexto não explica tudo.
Desde a formação, o PSD foi sempre um partido eclético, abarcando desde alguma da oposição ao regime até sectores claramente de direita. Ao não reproduzir linearmente clivagens sociais, o PSD conseguiu abarcar diversos grupos, muitos deles de natureza contraditória. Além do mais, fundado num contexto em que a direita jogava à defesa, o que foi uma necessidade – a ausência de um compromisso ideológico claro – tornou-se numa vantagem – permitindo ao partido tornar-se eleitoralmente competitivo, enquanto representante dos interesses das classes médias com perspectivas de mobilidade social ascendente.
A fraca institucionalização do partido foi sendo compensada por lideranças capazes de unir os vários PSDs. O cimento dessa unidade foi invariavelmente o poder executivo. Não por acaso, quando na oposição, o PSD foi trucidando líderes, invariavelmente representantes de facções internas e incapazes de reproduzir os equilíbrios de poder que Sá Carneiro e, acima de tudo, Cavaco Silva foram capazes de estabelecer. Desde então, muita coisa se alterou. As passagens pelo poder com Durão e Santana empurraram o PSD para a direita e Passos Coelho não hesitou em afirmar-se como um líder ideologicamente menos eclético e assumidamente liberal.
Depois de vencer as eleições com uma plataforma que suspendeu a retórica liberal e geriu inteligentemente o ressentimento em relação a Sócrates, Passos Coelho viu-se no poder. Uma vez no Governo, o reformismo tem-se circunscrito à desvalorização salarial, ao desmantelamento do Estado e a retórica mais liberal foi afastada da versão do programa que será aprovado no congresso. Sem conseguir reformar as políticas públicas, também por muita impreparação e indisponibilidade para enfrentar, de facto, os interesses instalados, o Governo parece ter centrado as suas energias na criminalização da actividade do executivo anterior, mantendo Sócrates no centro da agenda política.
Com o empobrecimento como núcleo duro da estratégia política e com uma base de apoio interno assente num grupo ultra-liberal, na rede de poder autárquico e nas solidariedades construídas na JSD, Passos Coelho tem manifestado dificuldade em alargar a sua influência e em atrair algumas elites que sempre desempenharam um papel importante e que se mantêm fieis a Cavaco Silva. Por agora, com a Troika como desculpa, a táctica vai sendo suficiente. Mas será possível a este PSD voltar a ter uma estratégia e ser o partido das classes médias pouco politizadas, mas com forte expectativa de mobilidade social?
publicado no Expresso de 24 de Março
Desde a formação, o PSD foi sempre um partido eclético, abarcando desde alguma da oposição ao regime até sectores claramente de direita. Ao não reproduzir linearmente clivagens sociais, o PSD conseguiu abarcar diversos grupos, muitos deles de natureza contraditória. Além do mais, fundado num contexto em que a direita jogava à defesa, o que foi uma necessidade – a ausência de um compromisso ideológico claro – tornou-se numa vantagem – permitindo ao partido tornar-se eleitoralmente competitivo, enquanto representante dos interesses das classes médias com perspectivas de mobilidade social ascendente.
A fraca institucionalização do partido foi sendo compensada por lideranças capazes de unir os vários PSDs. O cimento dessa unidade foi invariavelmente o poder executivo. Não por acaso, quando na oposição, o PSD foi trucidando líderes, invariavelmente representantes de facções internas e incapazes de reproduzir os equilíbrios de poder que Sá Carneiro e, acima de tudo, Cavaco Silva foram capazes de estabelecer. Desde então, muita coisa se alterou. As passagens pelo poder com Durão e Santana empurraram o PSD para a direita e Passos Coelho não hesitou em afirmar-se como um líder ideologicamente menos eclético e assumidamente liberal.
Depois de vencer as eleições com uma plataforma que suspendeu a retórica liberal e geriu inteligentemente o ressentimento em relação a Sócrates, Passos Coelho viu-se no poder. Uma vez no Governo, o reformismo tem-se circunscrito à desvalorização salarial, ao desmantelamento do Estado e a retórica mais liberal foi afastada da versão do programa que será aprovado no congresso. Sem conseguir reformar as políticas públicas, também por muita impreparação e indisponibilidade para enfrentar, de facto, os interesses instalados, o Governo parece ter centrado as suas energias na criminalização da actividade do executivo anterior, mantendo Sócrates no centro da agenda política.
Com o empobrecimento como núcleo duro da estratégia política e com uma base de apoio interno assente num grupo ultra-liberal, na rede de poder autárquico e nas solidariedades construídas na JSD, Passos Coelho tem manifestado dificuldade em alargar a sua influência e em atrair algumas elites que sempre desempenharam um papel importante e que se mantêm fieis a Cavaco Silva. Por agora, com a Troika como desculpa, a táctica vai sendo suficiente. Mas será possível a este PSD voltar a ter uma estratégia e ser o partido das classes médias pouco politizadas, mas com forte expectativa de mobilidade social?
publicado no Expresso de 24 de Março
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