Um Estado Sindical
Um Estado sindical
Na apresentação da sua candidatura a presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso declarou que queria “ser ouvido antes de o Governo propor o nome que vai ocupar o lugar de Procurador-Geral”. Entretanto, João Palma, o presidente cessante do sindicato, tem-se desdobrado em entrevistas, que servem para confirmar a natureza eminentemente política deste sindicato. Da ladainha das pressões políticas sobre os magistrados às criticas a Pinto Monteiro, passando pela ideia de que os procuradores estão a passar por privações materiais que põem em risco o exercício das suas funções (sic), a conversa foi a costumeira.
A natureza do que é dito pelos responsáveis sindicais do Ministério Público já não surpreende, acontece que passou a ser tolerada. Parece-me que há boas razões para ficarmos preocupados. Estamos perante uma pulsão que visa contrariar os equilíbrios de poder no regime e, em última análise, condicionar a acção dos poderes executivo e legislativo. Não é nada de novo, convenhamos, e a ambição é clara: o que antes acontecia através de coligações entre péssimas investigações judiciais e mau jornalismo, com acusações na praça pública, assentes em violações selectivas ao segredo de justiça, tem, agora, de ser institucionalizado.
Os sinais de que estamos a assistir a uma transformação sistémica já andam por aí: dos poderes adicionais que são conferidos ao MP, com essa enormidade que é a tipificação do crime de “enriquecimento ilícito”, à vontade, que hoje já não é secreta, de ter como PGR um líder de classe, consagrando o velho sonho de contrariar a natureza hierárquica do MP. Imaginemos que, por absurdo, a FENPROF queria participar na escolha do ministro da Educação ou que a Associação de Praças procurava ser ouvida antes de ser nomeado o ministro da Defesa. Estou certo que ninguém hesitaria em considerar a solução destrambelhada e uma interferência abusiva na autonomia de que deve gozar a esfera política numa democracia. Pois este sistemático exorbitar de competências é mais grave na justiça do que noutros sectores, e em particular no MP.
Neste contexto, é particularmente preocupante a complacência da actual ministra em relação ao conjunto de poderes fácticos que vai ganhando espaço na justiça. Uma complacência que não encontra paralelo em nenhum governo anterior, independentemente da cor política. Quando o que era necessário era um alargamento do espaço de influência do Ministério da Justiça, através de acordos parlamentares e envolvendo o Presidente da República, o que assistimos é uma opção que rompe com essa tradição e procura sustentação política nas organizações sindicais do sector. Não são necessários grandes poderes de previsão para antecipar que este namoro acabará mal. Até lá, vai sendo alimentado o sonho de ter no topo da hierarquia do MP um procurador escolhido pelos seus pares. Pior que um Estado corporativo, só mesmo um Estado sindical.
artigo publicado no Expresso de 3 de Março
Na apresentação da sua candidatura a presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso declarou que queria “ser ouvido antes de o Governo propor o nome que vai ocupar o lugar de Procurador-Geral”. Entretanto, João Palma, o presidente cessante do sindicato, tem-se desdobrado em entrevistas, que servem para confirmar a natureza eminentemente política deste sindicato. Da ladainha das pressões políticas sobre os magistrados às criticas a Pinto Monteiro, passando pela ideia de que os procuradores estão a passar por privações materiais que põem em risco o exercício das suas funções (sic), a conversa foi a costumeira.
A natureza do que é dito pelos responsáveis sindicais do Ministério Público já não surpreende, acontece que passou a ser tolerada. Parece-me que há boas razões para ficarmos preocupados. Estamos perante uma pulsão que visa contrariar os equilíbrios de poder no regime e, em última análise, condicionar a acção dos poderes executivo e legislativo. Não é nada de novo, convenhamos, e a ambição é clara: o que antes acontecia através de coligações entre péssimas investigações judiciais e mau jornalismo, com acusações na praça pública, assentes em violações selectivas ao segredo de justiça, tem, agora, de ser institucionalizado.
Os sinais de que estamos a assistir a uma transformação sistémica já andam por aí: dos poderes adicionais que são conferidos ao MP, com essa enormidade que é a tipificação do crime de “enriquecimento ilícito”, à vontade, que hoje já não é secreta, de ter como PGR um líder de classe, consagrando o velho sonho de contrariar a natureza hierárquica do MP. Imaginemos que, por absurdo, a FENPROF queria participar na escolha do ministro da Educação ou que a Associação de Praças procurava ser ouvida antes de ser nomeado o ministro da Defesa. Estou certo que ninguém hesitaria em considerar a solução destrambelhada e uma interferência abusiva na autonomia de que deve gozar a esfera política numa democracia. Pois este sistemático exorbitar de competências é mais grave na justiça do que noutros sectores, e em particular no MP.
Neste contexto, é particularmente preocupante a complacência da actual ministra em relação ao conjunto de poderes fácticos que vai ganhando espaço na justiça. Uma complacência que não encontra paralelo em nenhum governo anterior, independentemente da cor política. Quando o que era necessário era um alargamento do espaço de influência do Ministério da Justiça, através de acordos parlamentares e envolvendo o Presidente da República, o que assistimos é uma opção que rompe com essa tradição e procura sustentação política nas organizações sindicais do sector. Não são necessários grandes poderes de previsão para antecipar que este namoro acabará mal. Até lá, vai sendo alimentado o sonho de ter no topo da hierarquia do MP um procurador escolhido pelos seus pares. Pior que um Estado corporativo, só mesmo um Estado sindical.
artigo publicado no Expresso de 3 de Março
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