Suicídio assistido
A obsessão do Governo com pontes, feriados e outros tempos de mandriagem é politicamente útil no imediato, mas terá péssimos resultados no médio prazo. Como é sabido, na política há poucas coisas tacticamente tão eficazes como cavalgar um preconceito. Melhor mesmo se este servir para dividir. É assim desde tempos imemoriais. O preconceito do momento sugere-nos que os portugueses trabalham pouco e que têm de emular os virtuosos povos do norte, trabalhadores incansáveis.
O problema é que a realidade não confirma a impressão que interiorizámos e, pior ainda, que não nos cansamos de reproduzir. A coisa é de tal modo que, em nome do combate ao “velho hábito” de trabalharmos pouco, acabámos com o feriado que celebra a nossa independência e também com o que comemora a instauração do regime republicano. Ao pé disto, o fim da tolerância de ponto no Carnaval não passa de uma brincadeira, mas que dá um péssimo sinal à economia.
De acordo com dados da OCDE, em 2010, os portugueses trabalharam, em média, 1714 horas por ano, um valor bem próximo da média, e bastante superior ao dos alemães (1419), dos noruegueses (1414) ou dos holandeses – os menos trabalhadores da OCDE, com 1377 horas de trabalho/ano. Moral da história: os portugueses não precisam de trabalhar mais, precisam de trabalhar melhor, aumentando a produtividade.
Acabar com o Carnaval ou com feriados não nos torna melhores trabalhadores. A menos que o desígnio estratégico seja a chinização do mercado de trabalho, o que Portugal precisa é de gestores que administrem melhor, de alterar o padrão de especialização da nossa economia (em lugar de aprofundarmos as suas debilidades, que é, de facto, a consequência da estratégia de empobrecimento) e continuar a investir na qualificação (em vez de, por exemplo, desmantelar as “novas oportunidades”). Uma evidência, menos para o Governo, que insiste na ideia de que a resposta aos problemas da economia política portuguesa passa por trabalharmos mais horas.
A estratégia é reveladora de uma incompreensão do momento que vivemos. O que enfrentamos é uma crise da procura – ainda esta semana, por exemplo, soube-se que as indústrias portuguesas estão entre as que registaram uma maior queda nas encomendas recebidas. Ou seja, a capacidade utilizada da economia está em mínimos, logo, se continuamos a insistir no aumento do número de horas de trabalho, não escaparemos a um crescimento ainda maior do desemprego.
Há dias, o primeiro-ministro espanhol, Rajoy, considerou um suicídio a diminuição do défice a que a Espanha estava obrigada este ano (de 8% para 4.4%). É difícil encontrar outra expressão que descreva de modo tão exacto o que se está a passar em Portugal. Uma contracção da economia que vai para além do razoável e que, acompanhada pela insistência no aumento de número de horas de trabalho, vai ter um efeito devastador sobre o emprego. Estamos perante um suicídio provocado pelo governo português, mas assistido pelas obsessões ideológicas da troika.
publicado no Expresso de 25 de Fevereiro
O problema é que a realidade não confirma a impressão que interiorizámos e, pior ainda, que não nos cansamos de reproduzir. A coisa é de tal modo que, em nome do combate ao “velho hábito” de trabalharmos pouco, acabámos com o feriado que celebra a nossa independência e também com o que comemora a instauração do regime republicano. Ao pé disto, o fim da tolerância de ponto no Carnaval não passa de uma brincadeira, mas que dá um péssimo sinal à economia.
De acordo com dados da OCDE, em 2010, os portugueses trabalharam, em média, 1714 horas por ano, um valor bem próximo da média, e bastante superior ao dos alemães (1419), dos noruegueses (1414) ou dos holandeses – os menos trabalhadores da OCDE, com 1377 horas de trabalho/ano. Moral da história: os portugueses não precisam de trabalhar mais, precisam de trabalhar melhor, aumentando a produtividade.
Acabar com o Carnaval ou com feriados não nos torna melhores trabalhadores. A menos que o desígnio estratégico seja a chinização do mercado de trabalho, o que Portugal precisa é de gestores que administrem melhor, de alterar o padrão de especialização da nossa economia (em lugar de aprofundarmos as suas debilidades, que é, de facto, a consequência da estratégia de empobrecimento) e continuar a investir na qualificação (em vez de, por exemplo, desmantelar as “novas oportunidades”). Uma evidência, menos para o Governo, que insiste na ideia de que a resposta aos problemas da economia política portuguesa passa por trabalharmos mais horas.
A estratégia é reveladora de uma incompreensão do momento que vivemos. O que enfrentamos é uma crise da procura – ainda esta semana, por exemplo, soube-se que as indústrias portuguesas estão entre as que registaram uma maior queda nas encomendas recebidas. Ou seja, a capacidade utilizada da economia está em mínimos, logo, se continuamos a insistir no aumento do número de horas de trabalho, não escaparemos a um crescimento ainda maior do desemprego.
Há dias, o primeiro-ministro espanhol, Rajoy, considerou um suicídio a diminuição do défice a que a Espanha estava obrigada este ano (de 8% para 4.4%). É difícil encontrar outra expressão que descreva de modo tão exacto o que se está a passar em Portugal. Uma contracção da economia que vai para além do razoável e que, acompanhada pela insistência no aumento de número de horas de trabalho, vai ter um efeito devastador sobre o emprego. Estamos perante um suicídio provocado pelo governo português, mas assistido pelas obsessões ideológicas da troika.
publicado no Expresso de 25 de Fevereiro
<< Home