segunda-feira, janeiro 16, 2012

A desigualdade está a passar por aqui

Em Março de 2010, quando foi dado o tiro de partida para a austeridade, o governo começou os cortes por onde nunca o deveria ter feito – limitando as transferências para a segurança social e, em particular, o financiamento da rede de mínimos sociais. A tomar à letra o que Sócrates e Teixeira dos Santos anunciavam com o PEC I, os nossos desequilíbrios orçamentais resultavam de uma generosidade excessiva da protecção social para os mais carenciados, que se resolvia com uma disciplina férrea nos apoios aos mais pobres. Passado um par de meses, Passos Coelho juntou-se para dançar o tango e desde então os PEC têm-se sucedido a um ritmo difícil de acompanhar.
Mesmo os mais pessimistas, contudo, podem ter ficado resignados e ter-se-ão deixado convencer que o processo que iniciámos vai para dois anos tinha, do ponto de vista das desigualdades, um efeito essencialmente simbólico e que, acima de tudo, não destoava do que se passava um pouco por toda a Europa. Acontece que não é de facto assim.
Um estudo recente, promovido pela Comissão Europeia e que analisa os efeitos distributivos das medidas da austeridade em seis Estados membros, conclui que se assiste a uma distribuição do esforço de consolidação orçamental distinta de país para país e que Portugal é, dos países analisados (Portugal, Espanha, Estónia, Grécia, Irlanda e Reino Unido), aquele onde as medidas de austeridade tiveram um efeito mais regressivo, com uma diminuição do rendimento disponível dos primeiros decis particularmente significativa.
De acordo com o relatório, estamos perante um caso em que Portugal não é de facto a Grécia. Enquanto na Grécia os mais ricos perderam uma proporção maior dos seus rendimentos quando comparados com os mais pobres, em Portugal passou-se exactamente o contrário: foram os mais pobres aqueles que perderam uma fatia mais significativa do seu rendimento, quando comparado com os mais ricos. Entre nós, os 10% mais pobres perderam cerca de 6% do seu rendimento, já os 10% mais ricos perderam sensivelmente 3%. Este resultado não é independente do tipo de medidas em que assentou o essencial da disciplina orçamental nos seis países estudados – com Portugal a fazer incidir o esforço desproporcionadamente num corte nas prestações sociais.
O estudo, contudo, cobre apenas o período até Junho de 2011. Poderá alguma coisa mudar entretanto? Não há motivos para estarmos optimistas. Com uma distribuição dos sacrifícios que é ainda mais iníqua (focada nos desempregados, pensionistas e funcionários públicos), a tendência só se pode intensificar. Numa das sociedades mais desiguais da Europa, temos uma distribuição do esforço de austeridade muito desigual. O que terá consequências profundas: não apenas as sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor, como a aceitação política do esforço de consolidação depende de uma distribuição o mais equitativa possível. Exactamente o que não está a acontecer em Portugal.
publicado no Expresso de 7 de Janeiro