Para que serve uma greve?
Há duas formas de desvalorizar uma greve: afirmar que é contraproducente, ao acentuar clivagens entre quem pode e quem não pode fazer, e sublinhar que não produz efeitos, pois a legitimidade eleitoral sobrepõe-se à ‘força da rua’. São riscos evidentes para a mobilização do movimento sindical. Mas será que as greves gerais não mudam de facto nada?
Esta greve não assentou apenas numa mobilização burocrática, circunscrita aos sectores tradicionais. Como acontece invariavelmente em Portugal, a mobilização foi essencialmente no sector público, mas com níveis de adesão maiores e envolvendo grupos profissionais que tendencialmente aderem menos. Ao mesmo tempo, a extensão da austeridade anunciada (e a sua natureza não equitativa) pode bem ter feito com que o sentimento da maioria dos portugueses não tenha sido hostil aos grevistas.
Se nada mais, uma greve serve para dar voz ao descontentamento social e acomodá-lo institucionalmente. Desde logo, é um dos poucos momentos em que o ‘país de baixo’, escassamente revelado no espaço público, emerge: o Portugal dos muitos baixos salários, das vidas de precariedade e que é quase sempre ocultado por uma coligação entre o fascínio com o que é moderno e o revanchismo social. Nos próximos anos, o descontentamento do país que não vive acima das suas possibilidades tenderá a crescer e os sindicatos terão um papel decisivo a desempenhar, nomeadamente garantindo que a contestação não se torna difusa e inorgânica – uma ameaça real à democracia.
Não vale a pena iludir a questão. Uma greve geral tem um impacto económico directo escasso e a sua função principal é procurar alterar as relações de poder, influenciando o que em Portugal é, de facto, o actor principal – o Governo. Bem sei que a amostra é reduzida, pois entre nós só ocorreram duas greves gerais da CGTP com a UGT (1988 e 2010), mas, em ambos os casos, as greves produziram efeitos: abriram as portas à negociação, obrigaram a cedências, culminando em acordos de concertação.
A grande questão agora é saber de que modo o Governo interpreta a greve. Se opta por prosseguir o caminho de rupturas sociais e económicas, sem alargar a base de apoio político e social, ou se, pelo contrário, procura negociar e concertar interesses. A opção seguida terá, certamente, efeitos económicos e sociais, mas nela jogar-se-á uma questão política decisiva e que poderá mudar o mapa das relações de poder em Portugal.
O radicalismo que move o Governo não augura nada de bom. Mas uma coisa é clara, se o executivo optar por continuar a avançar sozinho provocará, para além do empobrecimento, uma alteração estrutural no sistema de representação de interesses em Portugal. Com consequências imediatas: coloca a UGT nos braços da CGTP e empurra o PS para a rua. No curto prazo, a táctica pode fazer sentido para o Governo, mas revelar-se-á dramática para o país. À ruptura económica e social juntar-se-á a ruptura política.
publicado no Expresso de 26 de Novembro
Esta greve não assentou apenas numa mobilização burocrática, circunscrita aos sectores tradicionais. Como acontece invariavelmente em Portugal, a mobilização foi essencialmente no sector público, mas com níveis de adesão maiores e envolvendo grupos profissionais que tendencialmente aderem menos. Ao mesmo tempo, a extensão da austeridade anunciada (e a sua natureza não equitativa) pode bem ter feito com que o sentimento da maioria dos portugueses não tenha sido hostil aos grevistas.
Se nada mais, uma greve serve para dar voz ao descontentamento social e acomodá-lo institucionalmente. Desde logo, é um dos poucos momentos em que o ‘país de baixo’, escassamente revelado no espaço público, emerge: o Portugal dos muitos baixos salários, das vidas de precariedade e que é quase sempre ocultado por uma coligação entre o fascínio com o que é moderno e o revanchismo social. Nos próximos anos, o descontentamento do país que não vive acima das suas possibilidades tenderá a crescer e os sindicatos terão um papel decisivo a desempenhar, nomeadamente garantindo que a contestação não se torna difusa e inorgânica – uma ameaça real à democracia.
Não vale a pena iludir a questão. Uma greve geral tem um impacto económico directo escasso e a sua função principal é procurar alterar as relações de poder, influenciando o que em Portugal é, de facto, o actor principal – o Governo. Bem sei que a amostra é reduzida, pois entre nós só ocorreram duas greves gerais da CGTP com a UGT (1988 e 2010), mas, em ambos os casos, as greves produziram efeitos: abriram as portas à negociação, obrigaram a cedências, culminando em acordos de concertação.
A grande questão agora é saber de que modo o Governo interpreta a greve. Se opta por prosseguir o caminho de rupturas sociais e económicas, sem alargar a base de apoio político e social, ou se, pelo contrário, procura negociar e concertar interesses. A opção seguida terá, certamente, efeitos económicos e sociais, mas nela jogar-se-á uma questão política decisiva e que poderá mudar o mapa das relações de poder em Portugal.
O radicalismo que move o Governo não augura nada de bom. Mas uma coisa é clara, se o executivo optar por continuar a avançar sozinho provocará, para além do empobrecimento, uma alteração estrutural no sistema de representação de interesses em Portugal. Com consequências imediatas: coloca a UGT nos braços da CGTP e empurra o PS para a rua. No curto prazo, a táctica pode fazer sentido para o Governo, mas revelar-se-á dramática para o país. À ruptura económica e social juntar-se-á a ruptura política.
publicado no Expresso de 26 de Novembro
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