Um tecnocrata em cada esquina
Num momento em que a zona euro caminha para o colapso, parece ter sido encontrada a solução para as economias da periferia: substituir chefes de governo eleitos por tecnocratas. A opção faz sentido. Tendo em conta que se gerou a convicção de que a responsabilidade da crise foi primeiro de Sócrates, a semana passada de Papandreou, esta semana de Berlusconi e, a crer no que o sempre presciente François Hollande já anunciou, para a semana será de Sarkozy, o melhor mesmo é remover os políticos eleitos que lideram os governos do Sul e colocar, nos seus lugares, técnicos com um perfil acima de toda a suspeita e bem recebidos em Frankfurt. Começou com Papademos na Grécia, prosseguirá com Monti em Itália e chegará rapidamente a Portugal, onde não tardará assistiremos a um apelo à formação de um governo de salvação nacional, que rapidamente evoluirá para um clamor por um executivo presidido por um tecnocrata.
É evidente que Sócrates, Papandreou, Berlusconi, Zapatero e Sarkozy cometeram todos erros na governação, ainda que de natureza bem diferente. Mas é um erro de enormes proporções teimar que o problema das economias da periferia é de natureza política e radica numa incapacidade imputável aos primeiros-ministros. Pensar deste modo é uma forma renovada de insistir na ocultação da dimensão sistémica da crise da dívida soberana e serve para que se possa prosseguir na ficção de que a responsabilidade da situação em que nos encontramos é, em última análise, das democracias – onde os eleitores tendem a tornar inviáveis pacotes de ajustamento como os que têm sido impostos.
Esta semana assistimos a mais um acto da tragédia europeia. À devastação económica, financeira e social, soma-se agora a devastação política, suspendendo constituições e abalando os alicerces em que assentam as democracias.
A ilusão tecnocrática assenta no pressuposto de que só governos não sujeitos ao voto e às pressões partidárias são capazes de implementar as reformas necessárias (invariavelmente muito austeras). Tanto melhor se os governos tecnocráticos forem de salvação nacional (se incluírem todos os partidos do arco da governabilidade lideradas por um independente) – pois assim nenhum partido tem de assumir a responsabilidade pela impopularidade.
Este caminho tem, contudo, riscos evidentes. Ao mesmo tempo que a convergência dos partidos centrais dispersa a responsabilização, potencia também o crescimento dos partidos extremistas – que podem monopolizar a contestação – e secundariza um eixo central da democracia: o controlo do poder executivo pelo soberano, através de eleições.
Pensar que vai ser possível resolver os problemas europeus penalizando moral e materialmente os cidadãos, libertando os executivos do controlo democrático e afastando os cidadãos do processo de decisão é uma ilusão, além do mais, muito perigosa. Um tecnocrata em cada governo é, no fundo, uma visão suavizada da pulsão autoritária que está sempre à espreita, ao virar da esquina.
publicado na edição do Expresso de 12 de Novembro
É evidente que Sócrates, Papandreou, Berlusconi, Zapatero e Sarkozy cometeram todos erros na governação, ainda que de natureza bem diferente. Mas é um erro de enormes proporções teimar que o problema das economias da periferia é de natureza política e radica numa incapacidade imputável aos primeiros-ministros. Pensar deste modo é uma forma renovada de insistir na ocultação da dimensão sistémica da crise da dívida soberana e serve para que se possa prosseguir na ficção de que a responsabilidade da situação em que nos encontramos é, em última análise, das democracias – onde os eleitores tendem a tornar inviáveis pacotes de ajustamento como os que têm sido impostos.
Esta semana assistimos a mais um acto da tragédia europeia. À devastação económica, financeira e social, soma-se agora a devastação política, suspendendo constituições e abalando os alicerces em que assentam as democracias.
A ilusão tecnocrática assenta no pressuposto de que só governos não sujeitos ao voto e às pressões partidárias são capazes de implementar as reformas necessárias (invariavelmente muito austeras). Tanto melhor se os governos tecnocráticos forem de salvação nacional (se incluírem todos os partidos do arco da governabilidade lideradas por um independente) – pois assim nenhum partido tem de assumir a responsabilidade pela impopularidade.
Este caminho tem, contudo, riscos evidentes. Ao mesmo tempo que a convergência dos partidos centrais dispersa a responsabilização, potencia também o crescimento dos partidos extremistas – que podem monopolizar a contestação – e secundariza um eixo central da democracia: o controlo do poder executivo pelo soberano, através de eleições.
Pensar que vai ser possível resolver os problemas europeus penalizando moral e materialmente os cidadãos, libertando os executivos do controlo democrático e afastando os cidadãos do processo de decisão é uma ilusão, além do mais, muito perigosa. Um tecnocrata em cada governo é, no fundo, uma visão suavizada da pulsão autoritária que está sempre à espreita, ao virar da esquina.
publicado na edição do Expresso de 12 de Novembro
<< Home