O inferno é o euro
“Vós que aqui entrais, abandonai toda a esperança”. A frase com que Dante nos recebe no Inferno é uma metáfora exacta para a zona euro. Um projecto político moribundo, que amarrou os países da periferia a uma escalada de austeridade, enquanto se mostra relutante em reconhecer a natureza sistémica da crise e avançar para uma solução que reveja as fundações institucionais em que assenta. Uma vez mais, após uma cimeira que resolveria todos os problemas, bastou esperar um par de dias para o mundo voltar a mudar. Primeiro com o efeito de contágio a chegar a Itália, com réplicas a atingir França e, depois, com o precipitar da crise política grega.
Se é verdade que o anúncio do referendo grego veio baralhar as contas ou, nas palavras da senhora Merkel, “alterou profundamente a situação psicológica”, no essencial serviu para mostrar que a crise da dívida soberana é uma verdadeira arma de destruição maciça. Está a destruir, como se fossem peças de um jogo de dominó, as economias europeias e está a destruir, um a um, governos nacionais, sem escolher cor política.
É manifesto que Papandreou se moveu por motivações políticas internas, incapaz de recusar a solução da cimeira da semana passada, ficou preso entre uma maioria parlamentar em decomposição e um apoio popular já inexistente, mas a sua decisão foi reveladora de que, por um lado, há limites para sacrifícios punitivos e, por outro, de que uma crise sistémica necessita de respostas sistémicas.
A crise da dívida soberana indica que há uma dívida do soberano e, como é evidente, em democracia, uma das prerrogativas do soberano é decidir, nomeadamente decidir não pagar. Ora, a curta história das democracias liberais ensina-nos que nunca foi possível sustentar liberdades em contextos de degradação sistemática das condições materiais, baseados numa punição, ainda mais de contornos morais, imposta desde fora. O que a Europa tem feito à Grécia só pode acabar mal, resta saber quando e como é que vai acabar. Até agora tivemos um “choque positivo” com o referendo, depois um espectro de demissão e finalmente negociações para um governo de unidade nacional. Evidentemente, não vai ficar por aqui.
Mas se os limites aos sacrifícios em democracia não são surpresa, não deixa de causar estranheza que uma economia que representa apenas 2% da zona euro possa colocar em risco toda a economia europeia. Quando isso acontece, é porque o problema não é apenas grego, português, irlandês e agora italiano, mas, sim, estrutural. E um problema estrutural não se resolve com o conjunto de analgésicos prescritos na cimeira.
Não é fácil descortinar virtualidades no que se passou esta semana, mas, ainda assim, ficou demonstrado como a democracia é uma arma de último recurso ao serviço dos fracos. A sucessão de jogadas de alto risco de Papandreou revelou que a Grécia tem, ao seu alcance, o poder de fazer colapsar a economia europeia. Talvez depois desta experiência, o eixo Merkozy tenha compreendido que o risco que paira sobre os credores é real e que a Grécia somos todos nós.
publicado no Expresso de 5 de Novembro
Se é verdade que o anúncio do referendo grego veio baralhar as contas ou, nas palavras da senhora Merkel, “alterou profundamente a situação psicológica”, no essencial serviu para mostrar que a crise da dívida soberana é uma verdadeira arma de destruição maciça. Está a destruir, como se fossem peças de um jogo de dominó, as economias europeias e está a destruir, um a um, governos nacionais, sem escolher cor política.
É manifesto que Papandreou se moveu por motivações políticas internas, incapaz de recusar a solução da cimeira da semana passada, ficou preso entre uma maioria parlamentar em decomposição e um apoio popular já inexistente, mas a sua decisão foi reveladora de que, por um lado, há limites para sacrifícios punitivos e, por outro, de que uma crise sistémica necessita de respostas sistémicas.
A crise da dívida soberana indica que há uma dívida do soberano e, como é evidente, em democracia, uma das prerrogativas do soberano é decidir, nomeadamente decidir não pagar. Ora, a curta história das democracias liberais ensina-nos que nunca foi possível sustentar liberdades em contextos de degradação sistemática das condições materiais, baseados numa punição, ainda mais de contornos morais, imposta desde fora. O que a Europa tem feito à Grécia só pode acabar mal, resta saber quando e como é que vai acabar. Até agora tivemos um “choque positivo” com o referendo, depois um espectro de demissão e finalmente negociações para um governo de unidade nacional. Evidentemente, não vai ficar por aqui.
Mas se os limites aos sacrifícios em democracia não são surpresa, não deixa de causar estranheza que uma economia que representa apenas 2% da zona euro possa colocar em risco toda a economia europeia. Quando isso acontece, é porque o problema não é apenas grego, português, irlandês e agora italiano, mas, sim, estrutural. E um problema estrutural não se resolve com o conjunto de analgésicos prescritos na cimeira.
Não é fácil descortinar virtualidades no que se passou esta semana, mas, ainda assim, ficou demonstrado como a democracia é uma arma de último recurso ao serviço dos fracos. A sucessão de jogadas de alto risco de Papandreou revelou que a Grécia tem, ao seu alcance, o poder de fazer colapsar a economia europeia. Talvez depois desta experiência, o eixo Merkozy tenha compreendido que o risco que paira sobre os credores é real e que a Grécia somos todos nós.
publicado no Expresso de 5 de Novembro
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