A troika do Benfica
Em Fevereiro de 2005, Sócrates venceu as eleições legislativas com 45% dos votos. Pouco tempo depois, anunciou um aumento do IVA que contrariava a promessa de não subir impostos. Seis meses após a tomada de posse, o PS aparecia em segundo lugar nas sondagens com 33.7% (barómetro Marktest). Esta queda contrasta com o que se passa hoje. Seis meses passados, o discurso de campanha foi deitado para o caixote de lixo da história, aumentaram-se impostos, cortaram-se salários e pensões e, inesperadamente, o governo revela resistência nas intenções de voto.
Uma primeira intuição leva-nos a explicar a aceitação do governo de Passos Coelho com base na ideia de que não há alternativa: o caminho é árduo, mas é o único possível. O problema é que, pese embora o amplo consenso em torno da necessidade de medidas de austeridade (que vai do CDS ao PS e passa pelo PSD, envolvendo também o Presidente), também é certo que já foram apontados percursos distintos – desde logo por Cavaco Silva, que sugeriu uma repartição do esforço de consolidação bem mais equitativa.
O mais provável é que o governo resista e se mantenha surpreendentemente popular porque existe a percepção de que quem governa de facto é a troika. O governo é apenas um executor, com escassa margem de manobra, de um memorando ao qual estamos presos. As visitas da troika, com as sistemáticas conferências de imprensa em que um conjunto de técnicos age como governantes, só reforçam a sensação. Esta narrativa tem um efeito imediato: ao mesmo tempo que desresponsabiliza Passos Coelho pelas medidas impopulares, funciona como auxiliar externo para uma agenda ideológica que de outro modo seria impossível de aplicar. A ideia que passa é que a culpa é da troika e a austeridade é imposta desde fora. O governo vai fazendo pela vida.
Se acharmos que a publicidade é ao mesmo tempo um bom barómetro e um mecanismo reprodutor do sentimento colectivo, temos vários exemplos que revelam que a ‘troika é quem mais ordena’. Desde a troika que fala à nação a propósito da campanha de um banco, passando por grandes superfícies onde é possível ‘troikar’ vales por serviços, culminando na ‘troika do Benfica’, que se apresenta nas rádios com uma promoção que tem a paradoxal ‘missão de alegrar o nosso Natal’.
O problema é que o memorando com a troika é, também, o que dele quisermos fazer. Pode ser alterado (já o foi diversas vezes), tende a ser utilizado como um instrumento de reforço da legitimidade do governo e funciona como cortina de fumo – permitindo ao executivo realizar o desejo nunca escondido de ir para além da troika, sem ser penalizado. Acontece que os efeitos económicos e sociais desta receita serão tão dramáticos que chegará o momento em que à troika deixará de estar associada boa publicidade. Nessa altura, o governo ficará sem a protecção de que agora tem gozado. Por sua conta e risco, a ilusão de popularidade evaporar-se-á.
publicado no Expresso de 23 de Dezembro
Uma primeira intuição leva-nos a explicar a aceitação do governo de Passos Coelho com base na ideia de que não há alternativa: o caminho é árduo, mas é o único possível. O problema é que, pese embora o amplo consenso em torno da necessidade de medidas de austeridade (que vai do CDS ao PS e passa pelo PSD, envolvendo também o Presidente), também é certo que já foram apontados percursos distintos – desde logo por Cavaco Silva, que sugeriu uma repartição do esforço de consolidação bem mais equitativa.
O mais provável é que o governo resista e se mantenha surpreendentemente popular porque existe a percepção de que quem governa de facto é a troika. O governo é apenas um executor, com escassa margem de manobra, de um memorando ao qual estamos presos. As visitas da troika, com as sistemáticas conferências de imprensa em que um conjunto de técnicos age como governantes, só reforçam a sensação. Esta narrativa tem um efeito imediato: ao mesmo tempo que desresponsabiliza Passos Coelho pelas medidas impopulares, funciona como auxiliar externo para uma agenda ideológica que de outro modo seria impossível de aplicar. A ideia que passa é que a culpa é da troika e a austeridade é imposta desde fora. O governo vai fazendo pela vida.
Se acharmos que a publicidade é ao mesmo tempo um bom barómetro e um mecanismo reprodutor do sentimento colectivo, temos vários exemplos que revelam que a ‘troika é quem mais ordena’. Desde a troika que fala à nação a propósito da campanha de um banco, passando por grandes superfícies onde é possível ‘troikar’ vales por serviços, culminando na ‘troika do Benfica’, que se apresenta nas rádios com uma promoção que tem a paradoxal ‘missão de alegrar o nosso Natal’.
O problema é que o memorando com a troika é, também, o que dele quisermos fazer. Pode ser alterado (já o foi diversas vezes), tende a ser utilizado como um instrumento de reforço da legitimidade do governo e funciona como cortina de fumo – permitindo ao executivo realizar o desejo nunca escondido de ir para além da troika, sem ser penalizado. Acontece que os efeitos económicos e sociais desta receita serão tão dramáticos que chegará o momento em que à troika deixará de estar associada boa publicidade. Nessa altura, o governo ficará sem a protecção de que agora tem gozado. Por sua conta e risco, a ilusão de popularidade evaporar-se-á.
publicado no Expresso de 23 de Dezembro
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