Um pouco mais de compaixão e de pedagogia
Quando, numa conferência de imprensa, a ministra italiana do trabalho bloqueou na palavra ‘sacrifícios’ e irrompeu em lágrimas fiquei, a um tempo, perplexo com a fragilidade que não desejo nos políticos perante a adversidade e solidário com alguém incapaz de conter a expressão do seu humanismo. Do mesmo modo que, dias depois, ao ver a mensagem ao país do primeiro-ministro irlandês, após a apresentação do orçamento, não consegui conter a surpresa ao ouvi-lo, dirigindo-se aos irlandeses, dizer com uma clareza quase soletrada, “vocês não são responsáveis”, enquanto explicava a natureza da crise, o papel dos sacrifícios e sugeria um horizonte para o futuro – “recuperar a soberania económica”.
A compaixão que descobrimos no bloqueio emocional da ministra italiana ou a atitude pedagógica do primeiro-ministro irlandês são dois factores que podem fazer diferença perante uma crise da dimensão daquela que enfrentemos. E compaixão e pedagogia são duas coisas que têm faltado ao governo português.
A compaixão é uma virtude. Resulta da empatia face ao sofrimento dos outros e da vontade de aliviar esse mesmo sofrimento. As civilizações ocidentais têm na compaixão uma pedra basilar e não há humanismo sem essa qualidade. Ora a austeridade não é uma proclamação vaga, tem consequências palpáveis, aumenta a carestia de vida de muitos. Em momentos como estes, precisamos colectivamente de compaixão, de sentir que um político que se vê impelido a escolher um caminho árduo, não se torna, por isso, irremediavelmente frio, incapaz de projectar em si o sofrimento dos outros. O que a ministra italiana revelou foi isso mesmo: capacidade de se colocar no lugar dos outros. A democracia tem de ser também o regime da compaixão.
No mesmo sentido, a pedagogia é mobilizadora. Não precisamos de políticos que se deixem cegar pelo voluntarismo e que, pelo caminho, percam a ligação à realidade. Mas também não nos podemos contentar com políticos que capitulam perante as dificuldades e se limitam a dizer que elas tenderão a crescer. Explicar, explicar, explicar é a única forma conhecida de envolver e mobilizar. Nos treze minutos em que se dirigiu aos irlandeses, Enda Kenny não faz outra coisa que não seja explicar e fá-lo sem juízos morais e sem culpabilizações espúrias.
Duas atitudes muito contrastantes com aquilo a que assistimos em Portugal.
P.S.
“O que a história ensina é que os governos e as pessoas nunca aprendem com a história”, afirmou Hegel. Quando escrevo, não são ainda conhecidas as conclusões da enésima cimeira para salvar o euro. Mas uma coisa é certa: a Europa prossegue na ilusão de que pode continuar a alterar tratados, alienando soberania, ainda para mais num contexto de profunda austeridade, descartando a democracia. Há demónios que convém não despertar. Se não deixarmos entrar a democracia a bem, ela forçará a entrada pela porta das traseiras e, nessa altura, não haverá cimeira salvífica.
publicado no Expresso de 10 de Dezembro
A compaixão que descobrimos no bloqueio emocional da ministra italiana ou a atitude pedagógica do primeiro-ministro irlandês são dois factores que podem fazer diferença perante uma crise da dimensão daquela que enfrentemos. E compaixão e pedagogia são duas coisas que têm faltado ao governo português.
A compaixão é uma virtude. Resulta da empatia face ao sofrimento dos outros e da vontade de aliviar esse mesmo sofrimento. As civilizações ocidentais têm na compaixão uma pedra basilar e não há humanismo sem essa qualidade. Ora a austeridade não é uma proclamação vaga, tem consequências palpáveis, aumenta a carestia de vida de muitos. Em momentos como estes, precisamos colectivamente de compaixão, de sentir que um político que se vê impelido a escolher um caminho árduo, não se torna, por isso, irremediavelmente frio, incapaz de projectar em si o sofrimento dos outros. O que a ministra italiana revelou foi isso mesmo: capacidade de se colocar no lugar dos outros. A democracia tem de ser também o regime da compaixão.
No mesmo sentido, a pedagogia é mobilizadora. Não precisamos de políticos que se deixem cegar pelo voluntarismo e que, pelo caminho, percam a ligação à realidade. Mas também não nos podemos contentar com políticos que capitulam perante as dificuldades e se limitam a dizer que elas tenderão a crescer. Explicar, explicar, explicar é a única forma conhecida de envolver e mobilizar. Nos treze minutos em que se dirigiu aos irlandeses, Enda Kenny não faz outra coisa que não seja explicar e fá-lo sem juízos morais e sem culpabilizações espúrias.
Duas atitudes muito contrastantes com aquilo a que assistimos em Portugal.
P.S.
“O que a história ensina é que os governos e as pessoas nunca aprendem com a história”, afirmou Hegel. Quando escrevo, não são ainda conhecidas as conclusões da enésima cimeira para salvar o euro. Mas uma coisa é certa: a Europa prossegue na ilusão de que pode continuar a alterar tratados, alienando soberania, ainda para mais num contexto de profunda austeridade, descartando a democracia. Há demónios que convém não despertar. Se não deixarmos entrar a democracia a bem, ela forçará a entrada pela porta das traseiras e, nessa altura, não haverá cimeira salvífica.
publicado no Expresso de 10 de Dezembro
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