Matar o mensageiro
Matar o mensageiro
As agências de rating têm má fama e por boas razões. O papel que desempenharam no desencadear da crise está longe de ser marginal e estas agências são um exemplo paradigmático do modo como os Estados abdicaram de soberania, institucionalizando mecanismos de regulação perversos. Se estamos como estamos e, aparentemente, não conseguimos sair do lugar onde nos encontramos, devemo-lo também às agências de rating.
Mas uma coisa é a avaliação política do papel das agências de rating, outra, bem diferente, é o que nos têm dito sobre a crise europeia. Na semana passada, quando a Standard & Poor’s reviu em baixa a notação de várias Estados europeus, retirando a nota máxima à dívida francesa e remetendo Portugal para a categoria de lixo, a reacção foi matar o mensageiro e não ouvir a mensagem. É um erro. Vale a pena prestar atenção às razões invocadas pela S&P.
Para além de não individualizar os casos, tratando a zona euro conjuntamente, a S&P sublinha que a descida dos ratings decorre, no essencial, da avaliação feita sobre as decisões políticas europeias – vistas como insuficientes para responder à natureza sistémica da crise do euro. Aliás, é expressamente dito que não só as disputas prolongadas e abertas entre líderes europeus são um factor de risco, como os resultados da última cimeira não representaram uma ruptura suficiente. Esta conclusão decorre, aliás, de uma interpretação da natureza da crise: os problemas financeiros que enfrentamos são, principalmente, consequência de desequilíbrios macroeconómicos entre países do centro e da periferia, pelo que um processo de reforma assente na austeridade pode tornar-se contraproducente.
No fundo, é-nos dito que a Europa não compreendeu a crise, que não vale a pena continuar a individualizar casos, como se não houvesse risco sistémico, e que, enquanto não existir uma resposta conjunta, a sucessão de pacotes de austeridade limitar-se-á a empurrar todas as economias para uma espiral depressiva. Para a S&P, a Europa parece ter assinado um ‘pacto de suicídio’.
Perante estas conclusões, Merkel fingiu não ter percebido e afirmou que era preciso reforçar a disciplina orçamental. Monti, primeiro-ministro italiano, desdobrou-se em declarações, defendendo que “enquanto a obsessão com a austeridade persistir, a crise não acabará”, acrescentando, ao Financial Times, que concordava com “quase tudo o que é dito na análise da S&P” e que poderia ter sido ele a escrever o relatório. O Governo, pela voz sempre pausada do ministro Vítor Gaspar, repetiu, em português, a posição alemã: revelou perplexidade com a baixa da notação, reforçou o compromisso com a austeridade e com os resultados da última cimeira europeia.
A questão só pode ser uma: não terá chegado a altura de deixarmos as colagens às posições alemãs e de nos alinharmos politicamente com os nossos parceiros naturais, os que enfrentam problemas semelhantes? Que as agências de rating possam dar um contributo para esse objectivo, não deixa de ser irónico.
publicado no Expresso de 21 de Janeiro
As agências de rating têm má fama e por boas razões. O papel que desempenharam no desencadear da crise está longe de ser marginal e estas agências são um exemplo paradigmático do modo como os Estados abdicaram de soberania, institucionalizando mecanismos de regulação perversos. Se estamos como estamos e, aparentemente, não conseguimos sair do lugar onde nos encontramos, devemo-lo também às agências de rating.
Mas uma coisa é a avaliação política do papel das agências de rating, outra, bem diferente, é o que nos têm dito sobre a crise europeia. Na semana passada, quando a Standard & Poor’s reviu em baixa a notação de várias Estados europeus, retirando a nota máxima à dívida francesa e remetendo Portugal para a categoria de lixo, a reacção foi matar o mensageiro e não ouvir a mensagem. É um erro. Vale a pena prestar atenção às razões invocadas pela S&P.
Para além de não individualizar os casos, tratando a zona euro conjuntamente, a S&P sublinha que a descida dos ratings decorre, no essencial, da avaliação feita sobre as decisões políticas europeias – vistas como insuficientes para responder à natureza sistémica da crise do euro. Aliás, é expressamente dito que não só as disputas prolongadas e abertas entre líderes europeus são um factor de risco, como os resultados da última cimeira não representaram uma ruptura suficiente. Esta conclusão decorre, aliás, de uma interpretação da natureza da crise: os problemas financeiros que enfrentamos são, principalmente, consequência de desequilíbrios macroeconómicos entre países do centro e da periferia, pelo que um processo de reforma assente na austeridade pode tornar-se contraproducente.
No fundo, é-nos dito que a Europa não compreendeu a crise, que não vale a pena continuar a individualizar casos, como se não houvesse risco sistémico, e que, enquanto não existir uma resposta conjunta, a sucessão de pacotes de austeridade limitar-se-á a empurrar todas as economias para uma espiral depressiva. Para a S&P, a Europa parece ter assinado um ‘pacto de suicídio’.
Perante estas conclusões, Merkel fingiu não ter percebido e afirmou que era preciso reforçar a disciplina orçamental. Monti, primeiro-ministro italiano, desdobrou-se em declarações, defendendo que “enquanto a obsessão com a austeridade persistir, a crise não acabará”, acrescentando, ao Financial Times, que concordava com “quase tudo o que é dito na análise da S&P” e que poderia ter sido ele a escrever o relatório. O Governo, pela voz sempre pausada do ministro Vítor Gaspar, repetiu, em português, a posição alemã: revelou perplexidade com a baixa da notação, reforçou o compromisso com a austeridade e com os resultados da última cimeira europeia.
A questão só pode ser uma: não terá chegado a altura de deixarmos as colagens às posições alemãs e de nos alinharmos politicamente com os nossos parceiros naturais, os que enfrentam problemas semelhantes? Que as agências de rating possam dar um contributo para esse objectivo, não deixa de ser irónico.
publicado no Expresso de 21 de Janeiro
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