Uma lenta agonia
Para além dos dramáticos efeitos económicos e sociais, a crise só pode acelerar a degradação da política. Os sintomas já andam por aí a pairar, mas tornar-se-ão rapidamente muito evidentes. Se aceitarmos que as instituições representativas são o reflexo de uma determinada estrutura social, é natural que, quando esta se desagrega, o espelho também se parta. O problema é que a crise, um dia, será ultrapassada, mas dificilmente será possível recuperar a credibilidade entretanto perdida das instituições da democracia como as conhecemos.
O que se vai passando no movimento sindical é, a este propósito, uma realidade que vive frequentemente submersa, mas que, de quando em quando, vem à tona. Foi o que aconteceu nos últimos dias, expondo os estrangulamentos das centrais sindicais portuguesas. Ainda que, por razões distintas, não será fácil o caminho da UGT e da CGTP.
As dificuldades da UGT são bem mais evidentes. Não por acaso, desde que assinou o acordo, João Proença tem-se desdobrado em declarações justificativas. Mas é evidente que, até por força da existência do memorando de entendimento – subscrito, convém não esquecer, por PS e PSD –, à UGT não restava outra opção se não chegar a um entendimento. A propensão negocial está inscrita no seu código genético e é o que dá sentido à existência da central – não sendo um parceiro negocial, a UGT condena-se à irrelevância. O problema é que a UGT não pode não negociar mas, hoje, negociar significa aceitar como termos do debate condições que têm inscritas, em si, o declínio do próprio movimento sindical. É por isso que o mais preocupante do acordo não é flexibilização da legislação laboral, é a individualização das relações de trabalho que está implícita em muitas das soluções.
A capitulação negocial da UGT é aparentemente uma benesse para a CGTP: por um lado, fica com o monopólio da contestação social organizada; por outro, deixa o campo aberto à afirmação de um novo secretário-geral, com a difícil tarefa de substituir um líder carismático. Estamos perante uma ilusão. O que assistiremos, muito provavelmente, é um crescente entrincheiramento da CGTP e um reforço da tutela política do Partido Comunista. Apesar da convergência estratégica, Carvalho da Silva garantia alguma autonomia táctica da CGTP face ao PC e promovia um mínimo de pluralismo interno. Com Arménio Carlos, a CGTP pode ter a ilusão de que representa o descontentamento social, mas ficará ainda mais presa ao PC, condenando-se a um lento definhamento, assente numa retórica sindical que não tem aderência ao mercado de trabalho de hoje.
Ainda assim, há um espaço de manobra possível para o movimento sindical inverter a tendência de declínio: romper com a agenda dominante, centrada em temas que nem sequer são vistos como os mais relevantes pelos trabalhadores portugueses, e libertar-se das tutelas partidárias, que asfixiam a sua capacidade de representação. Num cenário de degradação económica, não se vê como é que será possível iniciar este caminho.
publicado no Expresso de 28 de Janeiro
O que se vai passando no movimento sindical é, a este propósito, uma realidade que vive frequentemente submersa, mas que, de quando em quando, vem à tona. Foi o que aconteceu nos últimos dias, expondo os estrangulamentos das centrais sindicais portuguesas. Ainda que, por razões distintas, não será fácil o caminho da UGT e da CGTP.
As dificuldades da UGT são bem mais evidentes. Não por acaso, desde que assinou o acordo, João Proença tem-se desdobrado em declarações justificativas. Mas é evidente que, até por força da existência do memorando de entendimento – subscrito, convém não esquecer, por PS e PSD –, à UGT não restava outra opção se não chegar a um entendimento. A propensão negocial está inscrita no seu código genético e é o que dá sentido à existência da central – não sendo um parceiro negocial, a UGT condena-se à irrelevância. O problema é que a UGT não pode não negociar mas, hoje, negociar significa aceitar como termos do debate condições que têm inscritas, em si, o declínio do próprio movimento sindical. É por isso que o mais preocupante do acordo não é flexibilização da legislação laboral, é a individualização das relações de trabalho que está implícita em muitas das soluções.
A capitulação negocial da UGT é aparentemente uma benesse para a CGTP: por um lado, fica com o monopólio da contestação social organizada; por outro, deixa o campo aberto à afirmação de um novo secretário-geral, com a difícil tarefa de substituir um líder carismático. Estamos perante uma ilusão. O que assistiremos, muito provavelmente, é um crescente entrincheiramento da CGTP e um reforço da tutela política do Partido Comunista. Apesar da convergência estratégica, Carvalho da Silva garantia alguma autonomia táctica da CGTP face ao PC e promovia um mínimo de pluralismo interno. Com Arménio Carlos, a CGTP pode ter a ilusão de que representa o descontentamento social, mas ficará ainda mais presa ao PC, condenando-se a um lento definhamento, assente numa retórica sindical que não tem aderência ao mercado de trabalho de hoje.
Ainda assim, há um espaço de manobra possível para o movimento sindical inverter a tendência de declínio: romper com a agenda dominante, centrada em temas que nem sequer são vistos como os mais relevantes pelos trabalhadores portugueses, e libertar-se das tutelas partidárias, que asfixiam a sua capacidade de representação. Num cenário de degradação económica, não se vê como é que será possível iniciar este caminho.
publicado no Expresso de 28 de Janeiro
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