Abaixo de PIGS
Há títulos que falam por si e o das conclusões da última cimeira europeia é exemplar: “rumo a uma consolidação favorável ao crescimento e a um crescimento favorável ao emprego”. A frase não só não quer dizer nada, como encerra em si uma contradição de natureza esquizofrénica, reveladora do estado em que nos encontramos. George Orwell, estou certo, não hesitaria em classificá-la como um exercício acabado de novilíngua: uma soma de palavras, às quais se remove o sentido e que tem como finalidade restringir as possibilidades de raciocínio.
O que move a Europa continua a ser o mito da ‘austeridade expansionista’. No que se está a transformar numa tragédia em vários actos, nas cimeiras europeias insiste-se que a resposta à crise passa por provocar uma recessão, contraindo, em simultâneo, todas as economias, aguardando que daí resulte crescimento e recuperação. Acontece que não há evidência empírica que demonstre que a ideia funciona. Como aliás chamava a atenção esta semana Bradford DeLong, professor de economia em Berkeley, se a austeridade expansionista está a falhar na Grã-Bretanha, uma economia muito aberta e com mecanismos de flexibilidade que não existem na zona euro, é impossível que funcione em economias menos abertas e presas a uma moeda única.
Até agora, os resultados são os conhecidos: os fundamentos da economia todos de rasto, desemprego a disparar, em particular o dos jovens nos países da periferia, e sistemáticas revisões do PIB em baixa. À recessão somaremos mais recessão, que por sua vez exigirá maior austeridade, numa espiral recessiva sem fim à vista.
Neste contexto, a rejeição da proposta alemã para nomear um governador orçamental para a Grécia, que aliás faz parte das conclusões do último congresso da CDU, foi vista como uma vitória. Contudo, o mais certo é a ideia regressar e em força. Convenhamos que faz sentido. Depois do acrónimo PIGS e da crise como culpa moral, a requerer uma resposta assente no empobrecimento, o corolário lógico é colocar os países da periferia sob tutela política, tratando-os, de facto, abaixo de PIGS.
A proposta é coerente com a resposta à crise que tem sido dada pela Europa mas, também, com a postura dos governos das periferias. Como sublinhava com clareza o economista grego Yanis Varoufakis, a partir do momento que os governos aceitam empréstimos assentes em pacotes de austeridade que aprofundam a insolvência dos seus próprios países, e que automaticamente exigem mais empréstimos, chegará o momento em que os responsáveis políticos internacionais quererão ter poderes executivos. É apenas uma questão de tempo.
Contudo, se o momento chegar, seremos todos, da Alemanha à periferia, confrontados com a inviabilidade política e económica do caminho europeu. Até lá, valha-nos ao menos o conforto das palavras do nosso primeiro-ministro: “vamos cumprir o programa, custe o que custar”. Custe o que custar.
publicado no Expresso de 4 de Fevereiro
O que move a Europa continua a ser o mito da ‘austeridade expansionista’. No que se está a transformar numa tragédia em vários actos, nas cimeiras europeias insiste-se que a resposta à crise passa por provocar uma recessão, contraindo, em simultâneo, todas as economias, aguardando que daí resulte crescimento e recuperação. Acontece que não há evidência empírica que demonstre que a ideia funciona. Como aliás chamava a atenção esta semana Bradford DeLong, professor de economia em Berkeley, se a austeridade expansionista está a falhar na Grã-Bretanha, uma economia muito aberta e com mecanismos de flexibilidade que não existem na zona euro, é impossível que funcione em economias menos abertas e presas a uma moeda única.
Até agora, os resultados são os conhecidos: os fundamentos da economia todos de rasto, desemprego a disparar, em particular o dos jovens nos países da periferia, e sistemáticas revisões do PIB em baixa. À recessão somaremos mais recessão, que por sua vez exigirá maior austeridade, numa espiral recessiva sem fim à vista.
Neste contexto, a rejeição da proposta alemã para nomear um governador orçamental para a Grécia, que aliás faz parte das conclusões do último congresso da CDU, foi vista como uma vitória. Contudo, o mais certo é a ideia regressar e em força. Convenhamos que faz sentido. Depois do acrónimo PIGS e da crise como culpa moral, a requerer uma resposta assente no empobrecimento, o corolário lógico é colocar os países da periferia sob tutela política, tratando-os, de facto, abaixo de PIGS.
A proposta é coerente com a resposta à crise que tem sido dada pela Europa mas, também, com a postura dos governos das periferias. Como sublinhava com clareza o economista grego Yanis Varoufakis, a partir do momento que os governos aceitam empréstimos assentes em pacotes de austeridade que aprofundam a insolvência dos seus próprios países, e que automaticamente exigem mais empréstimos, chegará o momento em que os responsáveis políticos internacionais quererão ter poderes executivos. É apenas uma questão de tempo.
Contudo, se o momento chegar, seremos todos, da Alemanha à periferia, confrontados com a inviabilidade política e económica do caminho europeu. Até lá, valha-nos ao menos o conforto das palavras do nosso primeiro-ministro: “vamos cumprir o programa, custe o que custar”. Custe o que custar.
publicado no Expresso de 4 de Fevereiro
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