A tempestade perfeita no PS
A sucessão de mini-crises no Partido Socialista, que teve esta semana o seu apogeu, pode ser lida como fruto da incapacidade de afirmação de António José Seguro, mas é bem mais do que isso. O PS enfrenta uma tempestade perfeita onde dificuldades estruturais se conjugam com obstáculos conjunturais e incapacidade da actual direcção.
Acima de todos os problemas circunstanciais, os socialistas enfrentam um de natureza estrutural, que dura já há algumas décadas. O sucesso político da esquerda democrática durante a segunda metade do século XX foi fruto de um contexto social, demográfico e económico que se alterou profundamente. No mundo de hoje, já distante do ‘liberalismo protegido’ do pós-guerra, a social-democracia passou a ter enormes dificuldades de afirmação. Não por acaso, a sua hegemonia em meados da década de noventa assentou numa agenda modernizadora que rompeu com a tradição e que aparentava ter sido desenhada para um novo contexto. Perante a crise da zona euro e a iminente consagração nos tratados de uma leitura da crise que institucionaliza o projecto político da direita, assistimos a uma capitulação política da esquerda democrática e vivemos as consequências das escolhas feitas pelos governos europeus há perto de uma década, que eram maioritariamente da terceira via.
Independentemente da leitura que possamos fazer das opções recentes, a verdade é que não há uma resposta coerente, do lado da esquerda, aos desafios que hoje se colocam. Até existir esta resposta, torna-se difícil construir um discurso programático consistente onde quer que seja. Portugal não é excepção. A crise, que aparentava ser uma oportunidade para reinventar a esquerda, transformou-se num poderoso mecanismo desagregador.
Como se não fossem suficientes os obstáculos estruturais, há factores conjunturais a limitar a acção de Seguro. Não só nenhum líder da oposição foi capaz de se afirmar após o seu partido ter saído do governo, como o PS se encontra preso ao memorando de entendimento e é, de facto, fortemente responsabilizado pela crise que Portugal enfrenta. Por mais capacidades que Seguro tivesse, teria necessariamente de percorrer um longo calvário.
Sendo a margem de manobra do novo secretário-geral do PS curta, a verdade é que Seguro não tem sabido estar acima das circunstâncias. Não só revelou dificuldade em definir um campo programático (e quando o fez escudou-se nas questões éticas, um refúgio que tem consequências perversas e que ofusca os temas económicos e sociais), como, perante cada crise, em lugar de alargar a sua influência e construir pontes, foi-se fechando sucessivamente. Entre a sofreguidão dos que o querem apear, sem qualquer horizonte estratégico, e uma gestão burocrática que vai de acantonamento em acantonamento, torna-se difícil identificar racionalidade na acção política do PS. O mais provável é a actual direcção do PS não acabar bem, mas também, por mais golpes de asa que houvesse, dificilmente um líder do PS seria capaz de se afirmar no actual contexto.
publicado no Expresso de 6 de Abril
Acima de todos os problemas circunstanciais, os socialistas enfrentam um de natureza estrutural, que dura já há algumas décadas. O sucesso político da esquerda democrática durante a segunda metade do século XX foi fruto de um contexto social, demográfico e económico que se alterou profundamente. No mundo de hoje, já distante do ‘liberalismo protegido’ do pós-guerra, a social-democracia passou a ter enormes dificuldades de afirmação. Não por acaso, a sua hegemonia em meados da década de noventa assentou numa agenda modernizadora que rompeu com a tradição e que aparentava ter sido desenhada para um novo contexto. Perante a crise da zona euro e a iminente consagração nos tratados de uma leitura da crise que institucionaliza o projecto político da direita, assistimos a uma capitulação política da esquerda democrática e vivemos as consequências das escolhas feitas pelos governos europeus há perto de uma década, que eram maioritariamente da terceira via.
Independentemente da leitura que possamos fazer das opções recentes, a verdade é que não há uma resposta coerente, do lado da esquerda, aos desafios que hoje se colocam. Até existir esta resposta, torna-se difícil construir um discurso programático consistente onde quer que seja. Portugal não é excepção. A crise, que aparentava ser uma oportunidade para reinventar a esquerda, transformou-se num poderoso mecanismo desagregador.
Como se não fossem suficientes os obstáculos estruturais, há factores conjunturais a limitar a acção de Seguro. Não só nenhum líder da oposição foi capaz de se afirmar após o seu partido ter saído do governo, como o PS se encontra preso ao memorando de entendimento e é, de facto, fortemente responsabilizado pela crise que Portugal enfrenta. Por mais capacidades que Seguro tivesse, teria necessariamente de percorrer um longo calvário.
Sendo a margem de manobra do novo secretário-geral do PS curta, a verdade é que Seguro não tem sabido estar acima das circunstâncias. Não só revelou dificuldade em definir um campo programático (e quando o fez escudou-se nas questões éticas, um refúgio que tem consequências perversas e que ofusca os temas económicos e sociais), como, perante cada crise, em lugar de alargar a sua influência e construir pontes, foi-se fechando sucessivamente. Entre a sofreguidão dos que o querem apear, sem qualquer horizonte estratégico, e uma gestão burocrática que vai de acantonamento em acantonamento, torna-se difícil identificar racionalidade na acção política do PS. O mais provável é a actual direcção do PS não acabar bem, mas também, por mais golpes de asa que houvesse, dificilmente um líder do PS seria capaz de se afirmar no actual contexto.
publicado no Expresso de 6 de Abril
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