Olhar para trás
Olhar para trás
Ao longo de três décadas, pese embora divergências significativas, os sucessivos governos foram convergindo em torno de uma agenda modernizadora. Por vezes com exageros, por outras com demasiada timidez, quer os executivos do PS, quer os do PSD reformaram as políticas públicas sem lançar um olhar nostálgico em relação ao passado. Os erros cometidos foram, naturalmente, muitos. O maior dos quais, provavelmente, foi o da política de terra queimada – que levou frequentemente cada governo a fazer tábua rasa do que havia sido feito pelo executivo anterior. Mas, independentemente das escolhas feitas, nunca assistimos a nenhum tipo de saudosismo.
Como se não bastassem a estratégia de empobrecimento, os estímulos à emigração e uma ministra da Justiça que não perde uma oportunidade para revelar vontade de criminalizar a actividade política dos seus antecessores, Nuno Crato anunciou, agora, o regresso aos exames na “4ª classe”.
Por mais voltas que se dê, a proposta parece encontrar fundamento apenas numa visão idílica de um passado que nunca existiu: o da exigência e do “antigamente é que se aprendia”. Mas, para além da carga simbólica, o regresso aos exames da 4ª classe tem o condão de centrar a discussão sobre educação numa dicotomia simplista (facilitismo vs rigor) e assente em falsas evidências.
Talvez um princípio avisado para o reformismo seja não cair na tentação do excesso de experimentalismo. Portugal tem muito a aprender com as soluções dos outros países, com os seus erros e sucessos. Ora, se nada mais, o facto de não existir rigorosamente nenhum país europeu com exames no 4º ano deveria ser motivo para ponderação. Mas, para o governo português, isso parece pouco importar.
É claro que os exames são um mecanismo fundamental para a aferição de conhecimentos e não podemos conceber ensino sem avaliação. Contudo, não são os exames que, por si só, garantem a qualidade da aprendizagem. Ora, hoje já existem provas para aferir os conhecimentos das crianças de nove anos que terminam o 4º ano (com uma avaliação qualitativa).
Esta fixação examinadora, que visaria contrariar a alegada cultura de facilitismo que terá contagiado todo o ensino em Portugal, esbarra nas evidências. Para além dos países que melhores resultados têm nas comparações internacionais serem aqueles que menos e mais tarde examinam, Portugal é também um caso de não facilitismo, apresentando uma das maiores percentagem de jovens até aos 15 anos que chumbou pelo menos uma vez. Os números impressionam: 35% dos jovens portugueses reprovaram, valor bem acima da média da OCDE (13%).
Nesta como em muitas outras matérias, talvez fosse preferível que o Governo, em lugar de encontrar resguardo em diatribes ideológicas, ainda para mais de carácter saudosista, e num maniqueísmo retórico, que só serve para esconder fragilidades programáticas, procurasse aproximar Portugal das boas práticas europeias. Ao olhar para trás, a estratégia do Governo só agudizará a natureza dos nossos problemas e contribuirá para focar o debate político em dicotomias redutoras e extremistas.
publicado no Expresso de 31 de Março
Ao longo de três décadas, pese embora divergências significativas, os sucessivos governos foram convergindo em torno de uma agenda modernizadora. Por vezes com exageros, por outras com demasiada timidez, quer os executivos do PS, quer os do PSD reformaram as políticas públicas sem lançar um olhar nostálgico em relação ao passado. Os erros cometidos foram, naturalmente, muitos. O maior dos quais, provavelmente, foi o da política de terra queimada – que levou frequentemente cada governo a fazer tábua rasa do que havia sido feito pelo executivo anterior. Mas, independentemente das escolhas feitas, nunca assistimos a nenhum tipo de saudosismo.
Como se não bastassem a estratégia de empobrecimento, os estímulos à emigração e uma ministra da Justiça que não perde uma oportunidade para revelar vontade de criminalizar a actividade política dos seus antecessores, Nuno Crato anunciou, agora, o regresso aos exames na “4ª classe”.
Por mais voltas que se dê, a proposta parece encontrar fundamento apenas numa visão idílica de um passado que nunca existiu: o da exigência e do “antigamente é que se aprendia”. Mas, para além da carga simbólica, o regresso aos exames da 4ª classe tem o condão de centrar a discussão sobre educação numa dicotomia simplista (facilitismo vs rigor) e assente em falsas evidências.
Talvez um princípio avisado para o reformismo seja não cair na tentação do excesso de experimentalismo. Portugal tem muito a aprender com as soluções dos outros países, com os seus erros e sucessos. Ora, se nada mais, o facto de não existir rigorosamente nenhum país europeu com exames no 4º ano deveria ser motivo para ponderação. Mas, para o governo português, isso parece pouco importar.
É claro que os exames são um mecanismo fundamental para a aferição de conhecimentos e não podemos conceber ensino sem avaliação. Contudo, não são os exames que, por si só, garantem a qualidade da aprendizagem. Ora, hoje já existem provas para aferir os conhecimentos das crianças de nove anos que terminam o 4º ano (com uma avaliação qualitativa).
Esta fixação examinadora, que visaria contrariar a alegada cultura de facilitismo que terá contagiado todo o ensino em Portugal, esbarra nas evidências. Para além dos países que melhores resultados têm nas comparações internacionais serem aqueles que menos e mais tarde examinam, Portugal é também um caso de não facilitismo, apresentando uma das maiores percentagem de jovens até aos 15 anos que chumbou pelo menos uma vez. Os números impressionam: 35% dos jovens portugueses reprovaram, valor bem acima da média da OCDE (13%).
Nesta como em muitas outras matérias, talvez fosse preferível que o Governo, em lugar de encontrar resguardo em diatribes ideológicas, ainda para mais de carácter saudosista, e num maniqueísmo retórico, que só serve para esconder fragilidades programáticas, procurasse aproximar Portugal das boas práticas europeias. Ao olhar para trás, a estratégia do Governo só agudizará a natureza dos nossos problemas e contribuirá para focar o debate político em dicotomias redutoras e extremistas.
publicado no Expresso de 31 de Março
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